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Crítica


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Sinopse

Moradora desafortunada de Nova Iorque, Radha acredita que precisa descobrir algo antes dos 40 anos de idade. Reinventando-se como rapper RadhaMUSPrime, ele navega entre vários mundos em busca da própria voz.

Crítica

Há algumas décadas, era bastante comum o cinema apresentar protagonistas em crise quando próximos de completar 30 anos. Homens e mulheres que, ao contrário do ditado pelo senso comum, não conseguiram ser “bem-sucedidos”. Os tempos mudam e aparentemente os 40 são os novos 30. Não que essa "extensão" diminua a pressão socialmente aceita e perpetuada. Afinal de contas, o que é “dar certo na vida”? Quem determina parâmetros impossíveis de aplicação uniforme a pessoas com origens, personalidades, oportunidades e desejos diferentes? The Forty-Year-Old Version fala de uma mulher às voltas com essa espécie de encruzilhada. Tida num passado já quase remoto como dramaturga de futuro brilhante, sofre em reuniões desgastantes com possíveis produtores teatrais que cobram como taxa de entrada a penhora da autenticidade. Para ganhar a vida, leciona a um grupo heterogêneo de alunos – nesse cenário a diversidade é inserida organicamente –, enfrentando contratempos diários. Personagem principal e diretora, Radha Blank filma num belíssimo preto e branco em 35mm, ou seja, com suporte antiquado para atingir um efeito agridoce.

Radha tem um entorno muito interessante de coadjuvantes, a começar pela vizinha palpiteira e o mendigo que torce por sua vida amorosa. Já seus alunos respondem a arquétipos escolares. Seu melhor amigo e empresário, Archie (Peter Kim), oscila habilmente entre o pragmatismo do mundo dos negócios e a afetuosidade que lhe faz persistir na promoção da amiga dos tempos da escola. D (Oswin Benjamin) é o DJ de poucas palavras que aparece para complementar em termos de batida o que as palavras e rimas da protagonista expressam. Além desse núcleo, Reed Birney se esbalda interpretando um empresário do ramo teatral, sujeito calcado em estereótipos articulados habilmente ao ponto de servir a um apontamento crítico bem equilibrado. O sujeito branco que impõe severas condições para colocar a peça de Radha no palco (sonho de todo escritor) mantém suas relações imediatas tendo o poder como moeda, com isso contribuindo à minimização de vozes emergentes que pretendem revelar-se. Embora seja essencialmente uma jornada pessoal, The Forty-Year-Old Version abre-se generosamente para fazer esses ácidos diagnósticos sociais que incluem, ainda, gentrificação, apropriação cultural e o modo como a empatia pode se manifestar melhor nos ambientes abertos ao afeto.

Radha Blank tem um desempenho notável como essa mulher que pode ter encontrado uma vocação poderosa ao mesmo tempo em que aceita ceder às pressões para garantir-se financeiramente. O resgate da capacidade de rimar, talento soterrado do passado, abre possibilidades de satisfação e pacificação. Porém, será necessário um périplo emocional conturbado antes da compreensão de que nunca é tarde para investir nas paixões avassaladoras. Guinadas amedrontam, mas podem ser positivamente transformadoras. The Forty-Year-Old Version se preocupa em dotar de singularidades um desenvolvimento de contornos comuns. A caminhada da protagonista não é necessariamente surpreendente, ainda que o roteiro disponha bem suas cartas na manga. O fantasma da mãe com quem ela se identifica poderia ser melhor aproveitado. Mas, sobressai o frescor da visão depurada da necessidade de curvar-se irrestritamente às convenções. O longa adere voluntariamente a certos lugares-comuns, desde que estes estejam devidamente a serviço da obtenção de um panorama que ofereça as batalhas de Radha como uma mulher negra, fisicamente fora dos padrões celebrados e próxima dos 40 anos.

Um dos grandes temas explorados, sobretudo no último terço do filme, é a essência dos pontos de vista. Num momento em que os reacionários questionam o clamor por mais vozes negras contando as próprias histórias, The Forty-Year-Old Version contra-ataca com, ao menos, uma passagem didática. A cena da estreia apresenta um texto pervertido por olhares alheios à realidade que inspirou a ficção. Para isso, a cineasta incorre brevemente numa simplificação, mas até mesmo o efeito colateral é dosado. Todos os brancos burgueses gostam daquele resultado (porque fala à sua visão padronizada), mas alunos e amigos de Radha também se deleitam eventualmente com a história repleta de conciliações raciais forçadas. Utilizando bem a textura e as possibilidades do preto e branco para ressaltar as polarizações (ao ponto da visão de um acúmulo de pessoas brancas em determinado local se tornar evidentemente uma aberração), a cineasta-protagonista compensa pequenas fragilidades com personagens cativantes e inserções que mantém a vivacidade narrativa. Os excertos em janelas reduzidas, num tom documental, ajudam a elaborar a naturalidade. Em certas medidas, o filme pode ser entendido como mistura de Ela Quer Tudo (1986) e Faça a Coisa Certa (1989), ambos de Spike Lee. No entanto, Radha Blank tem personalidade para além das comparações feitas com suas possíveis inspirações.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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