Crítica
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Sinopse
Mickey Pearson construiu ao longo das décadas um verdadeiro império no cultivo e negociação da maconha, estabelecendo fazendas subterrâneas em vários locais na Inglaterra. Decidido a deixar o negócio, ele busca um comprador que lhe pague o valor merecido. As negociações são acompanhadas de perto por um detetive particular, que colhe provas sobre os envolvidos de forma a extorqui-los e, também, servir de material para o roteiro de um filme.
Crítica
Quando Guy Ritchie despontou no cinema, com o ótimo Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), trouxe consigo um estilo que se tornaria uma espécie de assinatura cinematográfica: um olhar sobre o submundo britânico, com fartas doses de brutalidade e um cinismo estiloso, sempre de forma bem humorada. O tempo passou, ele até replicou tal fórmula mas acabou enveredando rumo a filmes comerciais e nem um pouco autorais, como Rei Arthur: A Lenda da Espada (2017) e Aladdin (2019). Em Magnatas do Crime, é bom ver que Ritchie não se rendeu (totalmente) a um tipo de cinema que nada tem a ver consigo. Por outro lado, é possível notar o quanto seu olhar como cineasta mudou nas últimas décadas.
Em sua versão Nutella, o diretor (e também roteirista) busca inserir um certo requinte à já conhecida guerra entre gângsters. Com isso, Magnatas do Crime abre espaço para duelos táticos entre criminosos, onde a perspicácia e o jogo de cintura ao ludibriar o outro ganham enfoque especial. Isto não quer dizer que não haja também brutalidade, Ritchie também se rende a ela, mas apenas em momentos extremos onde não há outra alternativa. É como se, neste padrão de criminosos, existisse uma ética própria que apenas é rompida quando alguém deixa de seguir as regras do jogo. Simples assim.
Tal opção naturalmente retira de Magnatas do Crime as fartas dose de ação tão características do Ritchie raiz em nome de uma verborragia extrema, tão bem representada pelo personagem de Hugh Grant. Como uma espécie de narrador, é ele quem costura as muitas pontas existentes entre os diversos personagens, de forma a deixar tudo bem esmiuçado para o espectador. Só que o detetive particular (bem) interpretado pelo ator, em si, mal tem função na trama. Poderia até mesmo ser retirado do filme, não fosse tão necessário para dar coesão à narrativa.
É através do personagem de Grant que pode-se também notar outro viés de Ritchie em busca do tal requinte: a inserção de uma versão cinematográfica sobre a história do próprio filme. Isto porque, além da extorsão pretendida, Grant a todo instante cita um roteiro que está escrevendo com base em tudo que acompanha através de sua investigação como detetive particular. Tal brincadeira, que não chega a ser propriamente metalinguagem, abre espaço para que o diretor brinque com a ideia de "filme dentro do filme", seja ao alternar formatos de tela ou mesmo inserir câmeras em cena. São pequenos caprichos, também dispensáveis, que desviam o foco no que deveria ser o primordial: a saga de Mickey Pearson, dono de um império no cultivo e venda de maconha que deseja deixar o negócio.
É ao focar em Mickey e seu entorno que Magnatas do Crime enfim ganha força. Com Matthew McConaughey correto em interpretação emblemática como o todo poderoso "rei da selva", como o próprio se define na constante luta pela sobrevivência, o filme conta ainda com as boas presenças de Michelle Dockery e Charlie Hunnam. Mais que isso, é nesta direção que o roteiro apresenta breves pérolas, como o vislumbre da descriminalização da maconha e a oficina composta apenas por mulheres. Exemplos cristalinos do que Ritchie tem de melhor, o olhar clínico e cínico sobre o mundo ao redor. Pena que, neste filme, surja apenas em pequenas doses.
Bastante irregular, Magnatas do Crime tem o mérito de trazer Guy Ritchie de volta às origens, por mais que a obsessão pelo requinte nem sempre combine com seu estilo de narrativa envolvendo gângsters. Com uma edição bem didática em estilo videoclipe - em determinado trecho, de forma literal -, o longa alterna escolhas questionáveis com boas caracterizações, por mais que nem sempre os coadjuvantes alcancem seu pleno potencial ou mesmo justifiquem sua existência. Que o diga Colin Farrell, até divertido pela postura corporal adotada mas de uma displicência narrativa impressionante.
Filme visto em Portugal, em março de 2020.
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