The Island Between Tides
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Austin Andrews, Andrew Holmes
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The Island Between Tides
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2024
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Canadá
Crítica
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Sinopse
Crítica
Lilly e Zinnia estão sozinhas, em uma van instalada à beira do lago. Os pais saíram em busca de provisões, deixando-as para trás, como se fossem maduras o bastante para cuidarem de si. Algo raro de acontecer nos anos 2020, mas não tão incomum três ou quatro décadas atrás – como no início dos anos 1980, exatamente quando a história desse filme tem início. É interessante apontar para esse tipo de comportamento, pois a mudança de paradigma com o andar dos anos reflete também o que irá ocorrer na ficção. Pois em um instante no qual a irmã mais velha se descuida, a menor acabará se afastando, até não mais encontrar o caminho de volta. Esse momento de desorientação irá se mostrar um calvário para a família, assim que os adultos retornam, passando as próximas horas – e mesmo dias – em busca da caçula. Já prestes a desistir, no entanto, finalmente a localizam, poucos metros distante de onde por tantas vezes passaram, com as mãos cheias de pedrinhas e conchas para decoração. O que os demais rapidamente percebem é que, para a menina, o tempo em que esteve afastada não foi significativo o bastante para gerar preocupação. Onde ela esteve, portanto? Em The Island Between Tides, ou seja, na ilha entre marés, parece ter a resposta bem diante de sua audiência, independente de qual lado esta esteja. O difícil, portanto, é tornar crível aquilo que é dado como certo.
Baseado em um conto de J.M. Barrie, o filme dirigido por Austin Andrews e Andrew Holmes está longe de ter o tom pueril e até mesmo ingênuo do maior clássico do autor, Peter Pan, já adaptado para o cinema diversas vezes. Pelo contrário, essa parece ser uma obra adequada àquele que primeiro manifestou interesse em adaptá-la, ninguém menos do que Alfred Hitchcock (outros tiveram a mesma vontade nos anos seguintes, invariavelmente sem sucesso). O segredo de Andrews & Andrew para terem sido os primeiros a alcançar tal feito talvez se explique em uma não fidelidade ao texto original: a personagem central da narrativa de Barrie, a fantasma Mary Rose, dessa vez ganha espaço na trama apenas já quase ao término dessa. Com a mudança de ponto de vista, o longa adquiriu também uma contemporaneidade adequada à narrativa, ainda mais por essa se estender durante décadas.
Pois, como já se percebeu, o que Lilly encontrou foi um portal que a levou a um lugar onde o passar do tempo se dá de modo diferente – muito mais lento, na verdade – do que no resto do mundo. Este ambiente está apontado no título do filme: A Ilha Entre Marés. Se quando a água está baixa é possível chegar até ela através de um simples caminhar – o que a protagonista fez ainda criança, sem se dar conta aonde estava se dirigindo – com o subir do volume pluvial a formação se torna isolada, gerando uma ilha onde até então existia apenas uma pequena península, afogando o istmo que a ligava por terra. Lilly, interpretada por meio de uma profunda complexidade verificada no pouco a ser dito, mas muito a ser expressado, através dos intensos olhares proporcionados por Paloma Kwiatkowski (Percy Jackson e o Mar de Monstros, 2013), é uma sobrevivente. Ainda que de forma inconsciente, ela lá esteve, e de lá voltou. Seu testemunho foi algo que manteve guardado, muito pelo próprio desconhecimento. É por isso, portanto, que voltar se faz tão necessário.
É a partir deste segundo momento na ilha que a jornada de The Island Between Tides, de fato, se complica. Pois, por mais que até lá tenha ido para provar um ponto, sua desatenção quanto às possíveis consequências dessa decisão deixarão marcas indeléveis. As poucas horas que lá passa representarão não mais horas ou dias, mas anos distante de tudo aquilo que sempre amou e conheceu. Quando, enfim, consegue retornar, ninguém mais a reconhece. Afinal, se os demais envelheceram, seguindo o curso natural da vida, ela permaneceu igual, como se houvesse discorrido apenas o tempo necessário entre o nascer e o por do sol. O mistério, porém, não se mantém isolado neste sítio perdido entre as águas. Ela lá não esteve sozinha, e nem foi a primeira a se deparar com essa verdade temporal que desafia lógica e razão. Combater a descrença daqueles que tão bem a conhecem, com o pai e a irmã, ao mesmo tempo em que precisa lutar para convencer a si mesma do inacreditável que passa a acompanhá-la, eis o maior desafio com o qual se depara nesse retorno, tanto num sentido, quanto em suas inúmeras variáveis.
Por meio de impressionantes imagens registradas por Dany Lavoie (The Stand, 2020-2021), diretor de fotografia que soube não apenas valorizar os cenários externos escolhidos pelos diretores, como também enaltecer os ambientes fechados nos quais a protagonista passa cada vez mais a se aproximar de uma perigosa paranoia, The Island Between Tides confirma seu apreço pelo sobrenatural, ao mesmo tempo em que faz do mistério não uma muleta, mas parte integrada de sua narrativa. Entre a desorientação provocada pelo confuso presente da protagonista, constantemente em confronto com um passado inalterado e um futuro em permanente mutação, a trama explora as possibilidades entre o factível e o imaginado, a realidade de uma família que foi desintegrada por um instante de irresponsabilidade ou a fantasia de um contexto verossímil apenas no mundo dos sonhos e da ficção. É entre estes extremos que os eventos se sucedem, em uma história que conta muito com a percepção e a credulidade da audiência na forma como se mostra, fruto de uma experiência fantástica ou mera ilusão de uma mente perturbada por um afastamento involuntário. Independente do caminho assumido, eis o compartilhamento de um desfecho que apenas alcança efeito por meio do olhar do outro. Um acerto – e uma confiança – digna de atenção.
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