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Sinopse

O governo norte-americano planeja emitir um sinal para acabar com atividades criminosas. De posse dessa informação, um bandido decide empreender o seu último grande assalto.

Crítica

Baseado na HQ homônima, The Last Days of American Crime é ambientado num futuro próximo. Nele, o governo norte-americano cria um dispositivo para acabar com a criminalidade. Torres espalhadas pelo país emitirão em breve um sinal que agirá diretamente nas sinapses de quem está prestes a fazer algo considerado condenável, evitando assim que vontades contraventoras se transformem em atos. O cineasta Olivier Megaton (francês com nome artístico de Transformer) tem uma motivação bastante específica para passar desavergonhadamente batido por questionamentos simples acerca da técnica. Senão, porque não apresentar alguém fazendo perguntas óbvias, tais como: se o sistema afeta a noção de moralidade, a ciência de transpor limiares entre certo e errado, então ele é falho diante da parcela da população incapaz de fazer a distinção baseada em códigos sociais, correto? Sim, pois tais concepções não são naturais, inerentes à nossa constituição biológica, mas configuradas à medida que entendemos a necessidade de introjeta-las para viver em sociedade.

A omissão deliberada está a serviço de uma das tantas reviravoltas que marcam esquematicamente esta trama bem mais corriqueira do que a premissa poderia deixar antever. O elemento político, calcado em discussões acerca da sanha do Estado por controlar mentes, a decorrente falta de arbítrio e tudo que disso obviamente gera, é tratado apenas como pano de fundo peculiar. O que interessa a Megaton é privilegiar a ação em meio ao surgimento do romance para lá de provável. O protagonista é Graham Bricke (Edgar Ramírez), ladrão de bancos que, como seus pares, bola um último golpe de mestre para sair da marginalidade por cima da carne seca, de preferência com os bolsos cheios de bufunfa a ser gasta no Canadá, ou seja, num país supostamente mantenedor da liberdade. O talento do ator venezuelano é absolutamente subaproveitado, pois disposto à criação de um brutamontes sem variações de expressões faciais, um cara que demonstra a mesma emoção ao encontrar uma bela mulher no banheiro de uma espelunca e ao assassinar alguém a segue frio, sem escrúpulos.

A femme fatale Shelby (Anna Brewster) é o melhor de The Last Days of American Crime, pois à atriz inglesa é permitido pintar e bordar dentro do arquétipo da mulher perigosa. Ela é a única que exala intensidades, embora acabe arremessada num lugar menos fértil ao sair do registro estilizado após revelar ambiguidade. Michael Pitt tem momentos de brilho na pele da terceira parte desse triângulo amoroso formado durante a preparação do assalto tão improvável quanto passível de enriquecer desproporcionalmente seus membros. Passando como um robô gigante desgovernado por cima das nuances dos personagens e das circunstâncias, Olivier Megaton faz das dinâmicas familiares, supostamente um componente agregador, não mais que caricaturas ora histriônicas, ora anódinas. Graham pretensamente é motivado pela vontade de vingar-se pelo irmão. Shelby age para proteger sua irmã caçula. Essa é a parte praticamente sem peso. Já Kevin (Pitt) oferece a dimensão descontrolada, vide sua tresloucada encarnação de um Édipo raivoso na cena exagerada com o pai.

Outro dado da simplificação de The Last Days of American Crime é a nada sutil mudança de prioridades do protagonista. Antes, ele quer fazer justiça com as próprias mãos e garantir a independência financeira. Pura e simplesmente isso. Depois, ao enrabichar-se pela mulher que lhe apresenta insuspeitas vulnerabilidades, o bandido impiedoso passa a atuar de acordo com os ditames do coração. Do background social ao material humano, tudo é devidamente descomplicado. Para evitar controvérsias, talvez? A fim de facilitar o empenho do espectador menos afeito a assumir posição ativa durante a experiência de assistir ao filme? Verdade é que rapidamente as tensões coletivas, as indagações de uma população prestes a perder o direito de escolher entre A ou B, feitos problemáticos e afins se dissolvem numa massa uniformizadora, arrastados pelos devidos pingos nos is, vide monólogos explicativos – do tipo “por favor, para e me conta como chegamos até aqui” – e peças completamente descartáveis. Uma destas, o policial vivido por Sharlto Copley, que poderia ser limado da montagem sem qualquer prejuízo ao produto genérico que Olivier Megaton constrói em longos 138 minutos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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