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Sinopse

Rory propõe à esposa uma mudança ao Reino Unido em busca de melhores oportunidades de emprego. No processo de acostumar-se com uma casa isolada, isso após anos de subúrbio estadunidense, eles sentem a influência da Inglaterra arcaica.

Crítica

Durante uma recepção entre amigos, quando o anfitrião começa a fazer um discurso de boas-vindas para o recém-chegado executivo que voltou para Inglaterra para mais uma vez trabalhar no escritório do dono da casa, a câmera de Sean Durkin, ao invés de se focar naquele que está com a palavra ou no que é objeto da exaltação, opta por ficar atento às reações da esposa desse. Allison, interpretada com curiosa dedicação por Carrie Coon – uma das mais interessantes, e subestimadas, atrizes a despontar em Hollywood nos últimos anos – se no começo ostenta um sorriso largo no rosto, muito sutilmente esse começa a se transformar, quase imperceptível àqueles ao seu lado, mas visível para os que nela permanecerem atentos. No final, é apenas seriedade e decepção que se percebem em seu semblante. Este é o momento da virada, quando finalmente entende o que está acontecendo, não apenas consigo, mas com toda a família. A questão, no entanto, é que enquanto as coisas começam a desmoronar ao redor deles, ao mesmo tempo o centro das relações que construíram entre esposa e marido, mãe e filha, pai e filho, será também a força que necessitam para seguir em frente. Será nesse ninho que se reencontram e aprendem. Assim, O Refúgio é justamente isso: o amparo de um ao outro.

Mas essa troca não se dá sem que o devido preço seja cobrado. Os O’Hara levam uma vida confortável nos Estados Unidos. Rory (Jude Law, fazendo bom uso do charme que lhe é natural), porém, é inquieto, quer sempre mais, e não está satisfeito com o cenário que vislumbra se por ali continuar por mais tempo. É por isso que, em determinado amanhecer, anuncia para a mulher: “vamos voltar para Londres”. A primeira reação dela é sintomática: “esta será a quarta mudança que fazemos em menos de dez anos, tem certeza que é mesmo necessária?”. Como se pode ver, é uma fala rápida, mas sintomática: ela está cansada. E também não é a primeira vez que o homem surge com uma necessidade de reinvenção, que tanto pode ser motivada pela vontade de partir para novos desafios, como também pela ausência de outras possibilidades. Se falhou em tudo que tentou naquele cenário, imagina que em outro lugar novas ofertas lhe serão apresentadas. O que não se dá conta, no entanto, é que o problema, que pensa sempre estar lá fora, talvez venha de dentro dele mesmo.

Allison acaba aceitando, e ela e os filhos – Sam (Oona Roche, vista na série The Morning Show, 2019-2021) e Ben (Charlie Shotwell, de Capitão Fantástico, 2016) – se mudam atrás de Rory. Ao chegarem lá, se deparam com uma realidade quase nababesca: ele fechou aluguel por um ano com uma mansão no campo, longe da cidade, mas com espaço suficiente para que ela possa, enfim, ter o aras que há muito sonhava. Junto com a família veio também o cavalo dela, com o qual treina diariamente e também serve para aulas de equitação – é instrutora e pretende trabalhar apenas com isso. E enquanto o menino e a adolescente vão se integrando na escola e vizinhanças, o homem da casa segue apostando alto em possibilidades que podem mudar a vida de todos da noite para o dia – caso os negócios se fechem e tudo saia conforme o planejado. O problema é que está habituado a lidar com transações de alto risco. E essas são assim chamadas justamente pois as possibilidades de algo dar errado são sempre enormes.

Tanto Law quanto Coon estão excelentes nos retratos aos quais se dedicam. Ela é a mulher que tenta segurar as pontas em casa, enquanto que ele surge como o aéreo, aquele que passa tanto tempo nas nuvens, entre jogadas que combinam tanto ganância quanto ambição, que mal tempo tem para de fato se manter atento às pequenas coisas do dia a dia. Se pode passar uma tarde procurando por amplos apartamentos na capital, como uma segunda residência para facilitar o trânsito deles entre o campo e a cidade, na manhã seguinte pode estar pedindo 50 pratas emprestadas pois não tem nem o suficiente para pagar o almoço. É uma vida de altos e baixos, que contamina até seus relacionamentos mais pessoais – como a mãe, que há muito não vê e nunca teve contato algum com o neto mais novo, ou mesmo com sua companheira de anos, que pode servir de motivação para uma noite ardente entre eles, mas depois passarem horas sem se falarem por qualquer rusga aparente. E quando ela sozinha não parece ter mais forças para sustentar tudo o que sobre eles começa a desabar – o bullying na escola, a rebeldia juvenil, o cavalo que adoece, as cobranças que passam a bater na porta deles – o caminho natural talvez fosse simplesmente dar um basta, deixá-lo para trás e voltar para casa. Mas para onde ir, quando tudo que se tem está no outro?

O Refúgio poderia facilmente se transformar em uma versão revista – e um pouco mais sisuda – do sarcástico A Guerra dos Roses (1989). Mas o diretor e roteirista Sean Durkin, aqui em seu primeiro longa desde o aclamado Martha Marcy May Marlene (2011), há quase uma década, está mais interessado nas fissuras dessa família e menos nas explosões que tal convivência pode gerar. Assim, melhor não esperar por grandes discussões ou debates acalorados – por mais que eles existam, é claro. Porém, é na simbiose formada pelas ligações entre eles e os esforços que fazem, mesmo quando todas as probabilidades apontam o contrário, para permanecerem juntos, que tais reflexões se mostram mais profundas. O final em aberto, ao invés de denotar uma ausência de conclusão, reforça justamente o sentimento de que tais impressões são universais, e podem ser compartilhadas tanto na ficção como no lado de cá da tela, quando a realidade é que determina as regras. Afinal, homens, mulheres e crianças podem ser muito mais semelhantes entre si do que gostariam de imaginar. E no auge do desespero, às vezes tudo o que se precisa é de um bom café da manhã para que tudo possa ser visto de maneira diferente.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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