Crítica
Leitores
Sinopse
Em busca de um substituto para o pai que sumiu no dia do seu nascimento, um garoto se aproxima de seu tio e dos clientes de um bar de Long Island. O garoto ouve atentamente as histórias de todos à procura de um molde para si.
Crítica
Mais relevante do que comentar a respeito de Bar Doce Lar, adaptação morna para o cinema do livro de memórias de J.R. Moehringer, talvez seja tecer uma análise sobre a carreira do seu diretor, o astro George Clooney. Um dos maiores galãs da Hollywood atual, após uma bem-sucedida passagem pela televisão, começou a se destacar também na tela grande em meados dos anos 1990, até conquistar seu primeiro Oscar pelo drama político Syriana: A Indústria do Petróleo (2005) e dominar as bilheterias com a trilogia Onze Homens (2001-2007). Ao mesmo tempo, começava a se arriscar por trás das câmeras, seja no interessante Confissões de uma Mente Perigosa (2002) – premiado no Festival de Berlim – ou no oscarizável Boa Noite e Boa Sorte (2005) – indicado à premiação da Academia em 6 categorias, inclusive a Melhor Filme e Direção. Um início tão auspicioso que em nada indicava que seria seguido por títulos tão genéricos quanto O Amor não tem Regras (2008) e Caçadores de Obras-Primas (2014). Mesma linhagem, aliás, na qual se insere seu mais recente esforço enquanto realizador.
Clooney, no entanto, se contenta em permanecer apenas nos bastidores, deixando o papel mais interessante do elenco para um dos seus melhores amigos, Ben Affleck (com quem ganhou seu segundo Oscar, pela produção de Argo, 2012). Uma decisão que não chega a ser equivocada, mas também confortável, pois a troca de um pelo outro é quase a mesma que substituir seis por meia dúzia: ambos são por demais atraentes para se portarem como membros de uma família de classe média baixa decadente, mas ainda assim charmosos o bastante para justificar o fascínio que termina por exercer sobre o sobrinho, o verdadeiro protagonista. J.R. (primeiro Daniel Ranieri, depois Tye Sheridan) volta a morar na casa dos avós quando a mãe (Lily Rabe, de American Horror Story, 2011-2021) perde, mais uma vez, o emprego. Do pai, o pouco que sabe é que trabalha como radialista, ao qual se refere apenas como “A Voz”. Não será novidade perceber a necessidade do garoto em buscar figuras paternas, às vezes o avô (Christopher Lloyd), mas mais frequentemente, o tio.
Dois filmes recentes trafegavam por rotas similares às vistas por aqui. Em Tio Frank (2020), Paul Bettany é que fazia às vezes do parente mais velho e misterioso, que se mostraria decisivo para o futuro da sobrinha. Já em Era uma vez um sonho (2020), a semelhança estava no ambiente: cidadezinha minúscula do interior dos Estados Unidos, repleta de preconceitos e comportamentos ultrapassados. Porém, estes títulos apresentavam conflitos em suas trajetórias – seja a homossexualidade de um, ou a caipirice de outro – dificuldades que inexistem em Bar Doce Lar. Ok, eles não tem dinheiro. Mas se a mãe passa a infância do menino dizendo que ele irá cursar uma faculdade de prestígio quando crescer, ninguém se surpreende ao vê-lo, anos depois, indo para uma entrevista em Yale. E mesmo quando o sonho dela de vê-lo como advogado é substituído pela vontade do rapaz em trabalhar como escritor – o que também não é surpresa, pois foi do livro dele de onde veio este longa – a mudança é aceita quase sem resistência. É um mundo mais idealizado do que concreto, como se percebe.
Se a proposta é quase fantasiosa, se encaixa dentro de um aspecto memorialista, menos romance de formação – pois, afinal, quais foram as grandes restrições que precisou superar para se tornar o homem de hoje? – e mais nostálgico, como se tudo o que fora vivido estivesse sendo resgatado a partir de um prisma saudosista, que inevitavelmente termina por adocicar até mesmo os momentos mais agridoces. O avô resmunga por recebê-los de volta, mas não por maldade ou falta de empatia, e, sim, por decepção pela filha não ter escolhido para si um namorado que soubesse valorizá-la (e não abandonasse a ela e ao próprio filho). O tio, por sua vez, distribui uma ou outra frase de sabedoria, nada muito filosófico, mas educador o bastante para o sobrinho levar consigo como um mantra para a vida. É tudo tão bege e desprovido de emoções fortes que, ao término da projeção, se mostra até mesmo um tanto difícil relembrar do que fora visto nas últimas duas horas, pois nada parece ser particularmente interessante. É não mais do que uma mera coleção de momentos – o café dos pais na escola, quando finalmente foi apresentado ao pai, a descoberta da literatura, a primeira namorada (e a desilusão amorosa consequente). Simpáticos em um registro suave, mas pouco (ou quase nada) relevantes enquanto partes de um todo.
Assim, volta-se ao trabalho de Clooney enquanto contador de histórias. Depois de mostrar apelo por temas polêmicos e motivadores de discussão, há algum tempo tem que revelado mais acomodado, e mesmo quando o cenário poderia provocar debates (O Céu da Meia-Noite, 2020, ou Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso, 2017), o discurso rapidamente recai em soluções fáceis e conciliadoras. Mais ou menos o que se verifica também em Bar Doce Lar, provando que mesmo o roteiro tendo passado pelas mãos de William Monahan, esse há muito deixou de ser o vencedor do Oscar por Os Infiltrados (2006) para se confirmar mais como o autor de thrillers descartáveis, como O Último Guarda-Costas (2010) ou O Apostador (2014). Com isso pela frente, mais um Sheridan que beira a apatia pela falta de boas oportunidades, fica fácil para Affleck se destacar como esse porto-seguro que pouco tem a fazer, mas o que lhe compete é entregue com carisma e domínio. Quase nada, mas se em terra de cego, quem tem um olho é rei, aqui ele soa quase como imperador.
Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- Herege - 21 de novembro de 2024
- Retrato de um Certo Oriente - 21 de novembro de 2024
- Cuckoo - 17 de novembro de 2024
Deixe um comentário