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Sinopse

Comunidades afro-americanas promovem mudanças sociais através da fotografia. A câmera é usada como ferramenta de transformação. Com ela, é possível conciliar o passado obscuro, o legado dos ancestrais e as tradições, que ao longo do tempo têm sido reprimidas.

Crítica

Entre os muitos embates que marcaram a escravidão nos Estados Unidos e a segregação racial que perdurou fortemente após o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), a luta imagética pela representação visual dos negros na sociedade norte-americana se colocou como um dos conflitos mais eloquentes na disputa discursiva entre ambos os lados. Nesse combate desigual, os recursos midiáticos controlados pelas classes dominantes brancas, especialmente no que diz respeito à fotografia, promoviam uma visão negativa sobre a negritude subjugada. Com isso, a produção fotográfica da mídia corporativa da época se sobrepôs à incipiente elaboração de imagens entre famílias negras que já no final do século XIX passaram a registrar e propagar olhares muito mais condizentes com a realidade dos contextos nos quais sujeitos negros estavam inseridos. No recorte sobre o tema apresentado pelo documentário Through a Lens Darkly, Thomas Allen Harris resgata a ampla produção fotográfica referente às comunidades afrodescendentes do momento da chegada dos primeiros daguerreótipos ao território norte-americano até a contemporaneidade dos equipamentos digitais.

Assim, o cineasta aponta as muitas práticas visuais nocivas articuladas por jornalismo e publicidade na tentativa de manter a percepção reducionista, preconceituosa e desumana de brancos sobre negros, especialmente no período em que a escravidão ainda era uma política de Estado. Para ilustrar sua pesquisa, Harris resgata centenas de fotos antigas de escravos em condição miserável, bem como recortes de jornal que incitavam ou registravam linchamentos, torturas, enforcamentos e execuções públicas como eventos socioculturais tidos à época como atividades normais. Ao mesmo tempo, o documentário apresenta peças publicitárias discriminatórias, muitas delas chegando ao cúmulo de classificar negros como seres selvagens incapazes de trânsito social.

Por outro lado, Harris repercute a imprescindível produção imagética de fotógrafos negros de diversas gerações que contrapõem o belicismo visual e discursivo das elites supremacistas por meio de representações humanizadoras de comunidades afrodescendentes constantemente atacadas em sua integridade física, moral, cultural e social. A partir de depoimentos sensatos, mas nem por isso menos emociantes, e lançando mão de material gráfico impactante, o cineasta resgata a obra de figuras como James Presley Ball, Sojourner Truth, Booker T. Washington, W.E.B. Du Bois, James Van Der Zee e Deborah Willis, entre outros, todos eles fotógrafos ou ativistas da causa negra com amplas relações com a imagem fotográfica como instrumento de conscientização e mobilização política.

Na guerra pela representação visual dos negros norte-americanos, a fotografia foi uma ferramenta utilizada pelos dois lados da batalha tanto para promover ataque, silenciamento e negação da afrodescendência quanto para estimular processos de defesa, aceitação e afirmação dos negros em uma sociedade ainda hoje dividida pelo preconceito racial.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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