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Crítica


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Sinopse

Depois de deixar Taiwan em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos, um operário entende que o cotidiano no chamado Primeiro Mundo não é tão fácil assim. Adiante, a estremecida relação com a filha evidencia que certas escolhas práticas podem acarretar abismos emocionais.

Crítica

A principal matéria-prima de Tigertail é a ambiguidade da memória. As reminiscências do protagonista vivido por Tzi Ma na velhice e Lee Hong-Chi da adolescência à jovem fase adulta têm a capacidade de enternecê-lo, mas também de amplificar sua tristeza. Sujeito com dificuldades para conectar-se com as pessoas próximas, especialmente com a filha Ângela (Christine Ko), ele passa a limpo uma vida carregada de barreiras. O roteirista e diretor Alan Yang – amplamente conhecido como um dos idealizadores da série Master of None (2015-) – aproveita o retorno à meninice para construir cenas plasticamente bonitas, tais como as andanças da criança saudosa dos pais pelos vastos arrozais. A repressão do governo vigente em Taiwan aparece nas figuras de soldados que inspecionam a propriedade dos avós com os quais mora o pequeno. Todavia, logo o filme se desgarra dessa possibilidade de ler o ambiente sociocultural do país oriental. O que é uma pena, realmente.

Tigertail estabelece uma constante alternância temporal. Ora vemos o homem remando contra entraves afetivos na velhice, ora temos o desenho do que o levou a migrar aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor. No escrutínio desse tempo em que os sonhos tinham peso significativo, é importante a figura de Yuan (Fang Yo-Hsing), a namorada que representa um elo excepcional, aquela que o protagonista abandona em função do pragmatismo definidor da existência posterior. Entretanto, se há uma fragilidade no roteiro é o estabelecimento simplório entre os atos e as consequências. A aridez emocional, assim, decorre da abdicação da paixão em nome da necessidade; tal escolha, como se percebe no desenrolar da trama, acarreta um recrudescimento ainda maior na capacidade do taiwanês de conectar-se sentimentalmente. Desse modo, com boas doses de didatismo, a dramaturgia oscila entre as puras constatações e as afirmações de certas teses.

São importantes nesse exercício claudicante as cenas passadas ao redor das mesas, especificamente em restaurantes. Na primeira, os dois amantes fogem do estabelecimento chique, apelando ao lugar-comum do “sair sem pagar” como evidência de uma audácia pulsante. Na segunda, a conversa truncada entre pai e filha, a tentativa de aproximação que acaba ressaltando o abismo existente entre os dois. Na terceira, o reencontro com o grande amor do passado, no qual a indagação dela quanto a sair novamente do recinto como devedores e a resposta dele “não, porque agora tenho dinheiro para pagar” são utilizadas como indícios de mudanças de várias ordens que, antes de qualquer coisa, inviabiliza uma reconexão profunda. Aliás, nessa passagem Yoan é vivida pela estrela Joan Chen – fãs de Twin Peaks (1990-) a reconhecerão como a intérprete da misteriosa Jocelyn Packard. O filme desperdiça boas oportunidades, como essa, por não confiar tanto nas entrelinhas.

Mesmo proposto a mostrar um trajeto de desilusão provocado por um conjunto de contingências sociais e econômicas, ou seja, por engrenagens alheias à capacidade de gerência do protagonista, Tigertail não mergulha devidamente nessas conjunturas como imperativas às decisões do protagonista.  As interações de Tzi Ma e Christine Ko são ligeiramente burocráticas, algo para além da frieza que deveria mediar os momentos compartilhados de seus personagens. A julgar pelo peso conferido às lembranças, é igualmente lamentável que Alan Young não substancie essa viagem tão dolorosa quanto acalentadora ao passado com dados narrativos que efetivem a passagem dos anos como fator complicador. O tempo, por exemplo, relega frações vitais a um recôndito acessado quando necessário revisitar a essência. A despeito dos senões, há uma vontade louvável de mostrar que nem sempre desejos são deixados de lado por falta de coragem, pois é impossível controlar tudo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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