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Sinopse

Em Tijolo por Tijolo, Cris e sua família moram no Ibura, periferia do Recife. No início da pandemia de Covid-19 eles tiveram que abandonar a casa onde moravam devido ao risco de desabamento. Grávida do quarto filho e lutando por uma laqueadura, ela trabalha como influenciadora digital enquanto o marido reconstrói a moradia. Premiado no 13º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba (2024).

Crítica

Terceiro trabalho em conjunto da dupla Quentin Delaroche e Victória Alves e o segundo assinado por eles como codiretores (no primeiro, Camocim, 2017, ela atuou como assistente de direção), Tijolo por Tijolo exibe uma saudável mudança de rumo na obra de ambos, até então mais sisuda e voltada à urgência de debates permeados pelo momento, seja esse político ou socioeconômico. Estes mesmos temas estão novamente no centro da discussão, mas sem o discurso incisivo e apressado que até então vinha caracterizando os registros dos dois. Sai da pauta a pressão do agora e ganha voz o exemplo que fala por muitos. Como resultado, o que se tem é um todo ainda mais perene e transformador. É o pouco capaz de falar por um contingente de insuspeita amplitude, mas sem a pretensão para tanto. E assim, sem alardear méritos ou conquistas – por mais que essas sejam evidentes – o que se tem é algo que se mostra impossível desviar a atenção. E o que mais o realizador pode almejar (ou o espectador encontrar) enquanto esforço cinematográfico?

A discrição é perceptível já na proposta. Tal qual o nome antecipa, Tijolo por Tijolo dirige seu olhar a acompanhar uma família determinada a reconstruir aquilo no qual a muito tem se dedicado: a casa própria. Após semanas – e até mesmo meses – de esforços para dar forma ao lar que irá abrigar os Martins, a tragédia se impôs. Entre rachaduras provocadas pelo tempo, mudanças climáticas e até mesmo uma pandemia, o que veem é o sonho de uma vida ser colocado abaixo, tanto o que havia sido levantado, como também o que estava por vir, como anseios e aspirações. Mas estes não são do tipo que se dão por vencidos. Há muito pelo que lutar e prosperar. E se recomeçar não chega a ser exatamente uma escolha, essa é vista como o passo natural a seguir. Faz parte da formação destes que estão no centro dos acontecimentos. Seja Cris ou Albert, da mãe dela aos filhos do casal, todos se mostram comprometidos com o futuro deles enquanto grupo. E assim, refletem o tanto pelo qual o todo – bairro, cidade, estado, nação – tem pelo que lutar.

Se as interferências externas se confirmam como um ponto de virada em suas trajetórias, há outra transformação a caminho: Cris está grávida pela quarta vez. Eis, portanto, uma mulher negra e periférica tendo que lidar com uma situação que não é estranha a tantas outras como ela. Mas sua condição não a determina. O entendimento que existe entre ela e o marido os tornam coesos, assim como a valia que há entre os integrantes da família, da criança menor a avó que segue como exemplo. São muitos capazes de atrair os olhares para si. O homem diminuto frente à exuberância da companheira, mas resoluto diante o desafio que tomou para si. O primogênito que sempre que identifica uma oportunidade pega a câmera para si e parte em desabafos tão típicos da idade quanto maduros pela realidade que o circunda. A mulher que sonha em se tornar uma celebridade virtual e a isso se dedica com afinco, por mais que não se mostre deslumbrada pelas promessas de mudança. “Se para tantos dá certo, quem sabe comigo também não funciona?”, se questiona, ao mesmo tempo em que se mostra determinada a impedir que uma quinta gravidez ocorra, um objetivo tão concreto quanto a retomada dos estudos e a conclusão do curso universitário que está tão perto de terminar.

Cris e sua família são, portanto, reflexo de um Brasil que clama por atenção, ainda que não contente em ficar de braços cruzados esperando pelo momento da virada: sabem que, se nada fizerem, pouco irão conquistar, e por isso estão certos em buscar o que acredita lhes ser devido. Victoria e Quentin, por mais que por vezes ameacem um tipo de interferência no que a todo momento está a ser alterado diante de seus olhos e câmeras, são perspicazes o bastante para identificar o que de melhor o conjunto oferece, seja por meio do caos provido por referências que vão se acumulando umas sobre as outras, como também pelos debates que o cenário conjectura. Há de se estar atento ao enfoque social e ao anseio por resoluções permanentes e capazes de provocar a diferença que estes há tanto aguardam, mas é sabido que a disposição de partir em busca do pedaço de bolo que a cada um compete é maior do que a resignação de uma simples espera. Se as leituras e provocações vão se sobrepondo em uma velocidade impressionante, essa não é menos dinâmica do que aquela que se encontra no mundo real. A vida tem pressa, e como tal se confirma um cinema atento ao seu tempo.

Em meio ao muito que agrega, talvez o que mais impressione em Tijolo por Tijolo seja a coesão de sua narrativa. Sem nunca abrir mão de um contagiante bom humor, o filme ganha pontos preciosos por contar com uma protagonista contagiante, capaz de ganhar admiradores já nos primeiros contatos, e ainda mais importante, eficaz em mantê-los pelo muito que se revela disposta a desdobrar por meio das camadas que, de forma quase inconsciente, se dispõe a percorrer. E assim esse chamado ao que é básico vai aos poucos se somando a um alerta à capacidade de adaptação daquele que não se dá por vencido, sem pressa nem distrações, mas certo de que é preciso seguir, independente da quantidade – ou do tamanho – de pedras que se encontre pelo caminho. Um passo de cada vez e assim se vai ao longe, afirma o ditado. Aqui, essa verdade pode ser substituída por um caminhão de cimento, um novo seguidor, um filho recém-chegado, ou mesmo um sorriso que reafirma a certeza no amanhã. Dito assim, pode parecer simples, e por vezes até mesmo banal. Mas está na capacidade em lidar com o pouco que o tanto necessário será alcançado. Tanto na tela quanto no real.

Filme visto durante o 13º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Cinema de Curitiba, em junho de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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