float(9) float(2) float(4.5)

Crítica


7

Leitores


2 votos 9

Onde Assistir

Sinopse

Rob foi sentenciado a 60 anos de prisão. Sua esposa, Fox, luta por uma libertação improvável.

Crítica

Ao longo de seus mais de 125 anos, o cinema se prestou frequentemente a ser um meio poderoso pelo qual podemos refletir sobre o decurso do tempo. A passagem dos anos, os efeitos físicos e emocionais de certas circunstâncias galvanizadas pela duração (pouca ou muita), são elementos intrínsecos à arte capaz de eternizar semblantes, formas e texturas extradiegeticamente mutáveis. Time, filme da cineasta Garrett Bradley, reiteradamente faz uma ponderação entre o ontem e o hoje – com atenção especial ao espaço considerável entre um e outro – na vida de uma família afro-americana atravessada por uma tragédia de raízes históricas. A protagonista é Fox Rich, ex-detenta que luta por quase 20 anos para que seu marido, Rob, seja solto em condicional de uma sentença de seis décadas. A negritude de ambos é essencial como dado à compreensão de um cenário que remonta às eras nefastas da escravatura. O drama dessa mulher, que transita resiliente pelas sendas de um sistema judiciário orientado por processos segregacionistas, é transformado numa jornada.

Há diversos vieses tangenciados por Garrett Bradley em Time. A denúncia das práticas discriminatórias do judiciário estadunidense surge nas tantas tentativas frustradas de levar adiante os trâmites à soltura tão esperada. Fox menciona advogados displicentes, é observada em ligações telefônicas pesadoras com juizados e outras instâncias da qual depende o êxito de sua intenção. As marcas que essa burocracia deixa no aspecto íntimo também são encaradas pela cineasta, sobretudo nos instantes em que ela se volta ao crescimento da prole privada da presença paterna. Existe um evidente elogio à enorme tenacidade dessa mulher negra que, além de não esmorecer durante quase duas décadas de luta, ainda consegue orientar os filhos à direção oposta dos desvios que determinaram seus reveses pessoais. O filme toca em questões como arrependimento, responsabilidade, mudança, mas sem esmiuçá-los. Aliás, poucas estratégias do discurso são escancaradas, sendo a maior parte delas inoculada dentro de uma abordagem afeita às sutilezas e a uma conjugação orgânica.

Time não é um panfleto, mas tampouco se exime de apontar rachaduras no tecido social dos Estados Unidos. Mesmo que ocasionalmente perca oportunidades de modular melhor os recortes, talvez pelo receio de acabar num terreno piegas ou redundar numa retórica impermeável, Garrett Bradley constrói um trajeto bastante instigante, alternando cronologias com o intuito de incutir no espectador exatamente a implacabilidade do tempo. As crianças crescem diante dos nossos olhos – por meio da justaposição das versões infantis/adultas –, tornando assim inevitável a constatação de que o aparte do pai, ainda que todos eles tenham contato com um exemplo materno extraordinário, deixou-lhes marcas indeléveis. Mas, diferentemente do que poderia se esperar, a realizadora não se detém na deflagração e/ou no escrutínio dessas nódoas, pretendendo com isso fazer um relato menos diagnóstico, dotado de uma porosidade abrasiva. Isso também fica claro pelo modo como ela equilibra o essencialmente emotivo, não recorrendo/incitando impunemente às lágrimas e afins.

Tendo em vista o título do documentário e sua sequência final, algo antes não afirmado se torna manifesto. Time tenta abordar diferenças essenciais entre o cinema e a vida. Nas telonas, existe a possibilidade de encarar esse tempo congelado em película e/ou digital como indício quase irrefutável de certas coisas – intenções, desejos, circunstâncias –, além da percepção de que ele carrega como artifício uma natureza rebobinável. Na realidade, por mais que a memória se encarregue de manter vivo e influente o que foi, é inviável retroceder ao ponto anterior às más decisões e aos comportamentos complicadores. Por meio da repetição dessa operação de colocar passado e presente para dialogar, Garrett Bradley vai sedimentando não necessariamente os passos dados por Fox e sua família a despeito da ausência de Rob, mas os efeitos violentos dessa falta. Não à toa, ela contrapõe o amadorismo dos enquadramentos descuidados dos registros pessoais, evidências de um prisma interno, com as composições plásticas elaboradas, assim certificando o olhar externo. Este testemunha de fora, porém orientado por uma notável vontade de se achegar o mais próximo possível, pois dotado de empatia.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *