Crítica
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Crítica
Em Tin & Tina, o diretor Rubin Stein parte de uma premissa comum no cinema de horror: depois de uma gravidez frustrada, ex-futuros pais decidem adotar e são surpreendidos por situações inusitadas, talvez provocadas pelo novo(s) membro(s) da família. Gesto calculado, a reutilização desse modelo amplamente conhecido facilita o nosso processo de identificação e contribui à expectativa – inevitavelmente, esperamos que as crianças acolhidas por Lola (Milena Smit) e Adolfo (Jaime Lorente) causem tensões e problemas. Tudo fica mais promissor quando a ambientação no início dos anos 1980 revela indícios esporádicos da difícil redemocratização espanhola após anos de ditadura franquista. Ainda dentro das expectativas construídas, podemos imaginar que o longa-metragem conectará as estranhezas que afetam a nova família em construção e a carregada atmosfera no país, que atua como uma sombra ameaçadora. Mas, é como dizem: quanto mais alto, maior o tombo e, a expectativa é a mãe da frustração. Isso porque a conexão entre pessoal e social nunca decola de verdade. O elo frágil é constituído de um par de vislumbres e falas sem importância, como na cena de Adolfo citando a democracia enquanto algo adorado por Lola. Em nenhum momento faz diferença a distância ideológica no seio do casal. Por essas e outras fragilidades, o filme vira uma colcha de retalhos mal costurados.
A estilização em Tin & Tina aparece, sobretudo, nos anacronismos. A função deles é estabelecer paralelos com determinadas fontes de inspiração. A escolha de crianças albinas e a sinalização de que Lola tem deficiência física não são reforços de estereótipos e/ou capacitismo. Longe de reproduzir irresponsavelmente modelos de representação ultrapassados, Rubin faz um aceno consciente a filmes referenciais (as tais obras inspiradoras). E algumas delas frequentemente encaravam personagens destoantes de uma “normalidade” restrita a padrões como tipos potencialmente estranhos. Todavia, essa reciclagem é mal elaborada e não possui substância cinematográfica. Tanto que até a reutilização reverente acaba se transformando em outro passo em falso, sobretudo pela falta de um viés crítico na releitura. Retomando um pouco as rédeas do enredo, nele testemunhamos Tin (Carlos González Morollón) e Tina (Anastasia Russo) como irmãos gêmeos extremamente condicionados pela criação religiosa num convento que abriga órfãos. Suas manifestações de um inocente (?) fanatismo são encaradas desde sempre por Lola como algo teoricamente complicado. Só que em nenhum instante o roteiro, baseado num curta-metragem do mesmo diretor, valoriza de fato o desconforto da mulher favorável à democracia e menos temente ao cristianismo do que o marido piloto sem posicionamento político definido.
Crianças loiras que tocam o terror remetem diretamente ao clássico A Aldeia dos Amaldiçoados (1960) e ao seu remake com a assinatura de John Carpenter, A Cidade dos Amaldiçoados (1995). Mulheres em processo de crise psicológica durante a maternidade aludem automaticamente a O Bebê de Rosemary (1968) – em certo momento, Lola corta o cabelo exatamente como a da personagem de Mia Farrow na obra-prima de Roman Polanski. Contudo, Rubin Stein não consegue fazer da intertextualidade (citação de algo pré-existente, com o qual se pretende criar vínculos) um componente fundamental ao capital cinematográfico de sua criação. Trocando em miúdos: as citações são materializações de impulsos afetivos pessoais, simples piscadelas de cumplicidade aos fãs de terror, mas nunca servem adequadamente a essa história contada num casarão afastado que sequer é aproveitado dentro da compreensão de uma tradição. Aliás, vale a pena desenvolver um pouco mais a respeito da pouca importância que a direção confere ao cenário. Stein faz dele somente uma velha estrutura de paredes e teto na qual os personagens transitam, interagem e permanecem. O cineasta desperdiça componentes intrínsecos, como o isolamento, a tradição, as inúmeras histórias que ecoam na residência tradicional adornada com armamentos que remetem timidamente ao militarismo da ditadura. Tanto potencial esbanjado.
Voltando ao paralelo com O Bebê de Rosemary, Rubin Stein opta pelo interessante caminho da ambiguidade. Não há confirmações e tampouco negações definitivas a respeito da maldade de Tin e Tina e sequer quanto à influência de esferas sobrenaturais. Pode-se ler os pequenos como distorcidos pela influência nefasta dos dogmas católicos (pecados, penitências, sacrifícios, sofrimento redentor, etc.) ou enquanto figuras endiabradas que brutalizam o entorno por inclinações satânicas disfarçadas de virtude cristã. Mas, até mesmo para a dúvida ser legítima e produzir inquietação no espectador seria preciso maior habilidade para cozinhar as incertezas, fundamentais ao suspense. Tin & Tina é um amontoado de desperdícios, um projeto repleto de evidentes boas intenções (das quais o inferno está abarrotado). Porém, não consegue gerar apreensão suficiente e aproveitar os claros paralelos entre a vida íntima de um casal ávido pela paternidade/maternidade como passo natural pós-casamento e a maré agitada da história espanhola pós-ditadura. Stein falha especificamente na inversão da ordem natural de certas coisas, sobretudo ao mesclar de modo desajeitado a infância ameaçadora, que deveria ser confortadora, e o dado macabro de ícones religiosos, que deveriam servir ao conforto espiritual. Tanto faz a leitura, se literal ou metafórica. O filme sabota ideias como uma execução bem ruim.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Ticiano Osorio | 3 |
MÉDIA | 3 |
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