Tintoretto: Um Rebelde em Veneza
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Giuseppe Domingo Romano
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Tintoretto: Un Rebelle a Venezia
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2019
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Itália
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
Não há regras que determinem, rigidamente, maneiras mais ou menos adequadas para traçar perfis biográficos no cinema. Portanto, tentar chegar a certos e errados, inevitavelmente, seria parametrizar o que não cabe estritamente entre parâmetros. No entanto, é legítimo questionar certas opções estéticas e narrativas ao contemplar uma obra de arte, inclusive essas que retratam figuras históricas proeminentes, tais como o pintor italiano Jacopo Robusti, conhecido como Tintoretto. Não seria uma espécie de traição abordar um rebelde de modo tão conservador? Talvez a palavra “traição” seja forte demais e nem adequada, pois até a deslealdade é um ato ora deliberado, ora decorrente de deslizes. E Tintoretto: Um Rebelde em Veneza parece ser fruto de outra coisa: da adequação ao comum, da falta de ambição de estabelecer diálogos formais com a obra do artista biografado. Pegando emprestados recursos consagrados ao longo dos anos em programas televisivos sobre personalidades famosas, o roteiro assinado por Melania Gaia Mazzucco e Marco Panichella desenha um itinerário repleto de convenções, conformado com padrões e cronologicamente bastante comportado. Isso, à medida que tenta chamar a atenção ao caráter inquieto do personagem. Por parte da direção Giuseppe Domingo Romano, igualmente não há qualquer transgressão, apenas reverência e ilustração.
Narrado com uma entonação praticamente uniforme por Helena Bonham Carter, Tintoretto: Um Rebelde em Veneza é uma síntese da vida e da obra do homem que mudou o panorama da pintura veneziana no século 16. Rivalidades, subterfúgios para sobressair diante da forte concorrência, aspectos da vida pessoal (poucos), exaltação da técnica e da genialidade, tudo isso é oferecido com a mesma tonalidade dramática. Ocasionalmente, a trilha sonora tenta dar "cores" diferentes para passagens pontuais, mas, no fim das contas, o resultado é um grande bloco cuja primazia é realmente a informação. Diante de documentários (não apenas os de recorte cinebiográfico) convém sempre questionar: há algo nele que apenas o cinema poderia nos mostrar? Como é tratada a imagem e o som para uma produção de sentidos? E é sempre frustrante assistir a um filme que tem somente empenhos básicos nesse sentido, ou seja, que carregam qualidades mínimas em seu esforço narrativo. O longa-metragem selecionado para a 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022 é desse tipo de obra que contém conhecimentos, noções e ideias para melhor compreendermos o personagem principal, mas nada que não tivéssemos adquirido (de modo semelhante) e ao ler o verbete sobre o artista numa enciclopédia. Para não dizer que a construção visual é desimportante, ela enfatiza as obras do mestre para ilustrar as teses.
Boa parte das pessoas que testemunham em Tintoretto: Um Rebelde em Veneza é de especialistas e/ou historiadores, o que encaminha o recorte do filme para mais próximo do “defendendo a ideia de que Tintoretto era genial”. Há, por exemplo, poucos artistas falando das pinturas do gênio. E em nenhum momento vemos o público as contemplando. É como se o roteiro oferecesse indícios praticamente irrefutáveis da excecionalidade do pintor italiano, com os dotados de notório saber servindo para “comprovar” tudo isso. Portanto, estamos diante de um filme-tese com jeitão de biografia televisiva criada para dizer aquilo que já foi dito anteriormente em suportes e com técnicas diferentes. Mais do mesmo. Tanto é que, do ponto de vista da estrutura do roteiro, o longa-metragem geralmente compreende esta relação: apresentação de dados e contextos históricos importantes; explanação sobre aspectos notáveis de certas obras; imagens que funcionam como simples ilustrações visuais dos elementos escritos/falados. Dessa forma, Tintoretto ganha um perfil biográfico empenhado em comprovar o quanto ele era diferente, audacioso em seus métodos empreendedores pouco ortodoxos e como lidou com os contemporâneos que rapidamente perderam terreno artístico-comercial. Nem mesmo a ode à rebeldia tem espessura, sobretudo por ser esporádica e reiterada sempre com tintas parecidas.
Ainda que atinja o objetivo de apresentar Tintoretto para uma plateia ampla – ou renovar o interesse de uma anteriormente iniciada –, Tintoretto: Um Rebelde em Veneza é engessado demais para fazer jus a um homem celebrado como irascível e avesso aos moldes consagrados pela (e para a) maioria. Um ponto interessantíssimo que poderia se tornar mais central nessa investigação burocrática é o caráter cinematográfico das pinturas de Tintoretto, especialmente quanto à composição das imagens e a utilização da profundidade e do chiaroscuro. Porém, nem mesmo o breve relato do apocalíptico cineasta Peter Greenaway ou as rápidas referências aos trabalhos de Orson Welles retiram a abordagem do lugar-comum, uma vez que elas são circunstanciais e desprovidas de elaboração. O diretor Giuseppe Domingo Romano perde uma oportunidade enorme de ampliar o poético vínculo “cinematográfico” de Tintoretto ao não sublinhar as semelhanças artísticas e de ímpeto entre ele e, justamente, Greenaway (homem que produz uma arte anárquica à margem do sistema hegemônico) e Welles (sujeito que passou a vida inteira se debatendo contra as engrenagens sinuosas e excludentes do mainstream). O saldo desse exemplar selecionado para a 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022 acaba sendo negativo pois, apesar de nos aproximar do subversivo Tintoretto, o faz como se ele pudesse ser melhor observado a partir de dinâmicas tradicionais e comportadas, não numa tentativa de diálogo com o gênio(so).
Filme assistido durante a 8½ Festa do Cinema Italiano, em agosto de 2022
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