Crítica
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Sinopse
Selminha está de volta e seu lema parece ser: esbanjar. Rica e sem qualquer preocupação de ordem financeira, ela vê seu novo mundo virar de cabeça para baixo quando surge uma homônima que reivindica a sua fortuna. Com seus bens congelados até que o imbróglio se resolva, Selminha precisa novamente se adaptar à sua antiga vida de pobre.
Crítica
“Tô ryca!" "Na verdade, tô pobre!”. As frases contraditórias, posicionadas lado a lado no cartaz promocional, resumem a abordagem da sequência. Selminha (Samantha Schmütz) foi pobre, então enriqueceu. Agora, começa rica, mas logo empobrece. “Dinheiro vem, dinheiro vai; dinheiro entra, dinheiro sai”, relembra a trilha sonora, sublinhando o discurso evidente. Em mais de uma oportunidade, a mulher dispara: “Tô rica!”. Depois, enquanto a câmera efetua um violento zoom-in, exclama: “Tô pobre?”. O projeto depende da gangorra entre opostos, saltando da miséria (embora a personagem nunca sofra com a falta de alimentos ou moradia) à riqueza ostentatória, marcada por mansões, carros luxuosos, viagens a destinos insólitos, roupas de grife. Esta franquia não é a única: Até que a Sorte nos Separe (2013-2015) e Um Suburbano Sortudo (2016) também apostavam no processo de se descobrir milionário do dia para a noite, e então perder a bolada com parecida rapidez. Neste Brasil em crise política e de identidade, a único sonho de ascensão social vem da fantasia tresloucada: a herança de um familiar desconhecido, o dinheiro de uma loteria. É preciso que seja abrupto, repentino e, por isso mesmo, inacreditável. Sabe-se que, eventualmente, estas figuras perderão o presente do destino pois, segundo tais discursos, o sujeito nascido em classes desfavorecidas seria inerentemente incompatível com o luxo e o consumo.
Assim, as aventuras ridicularizam o habitante do subúrbio que tenta “se passar por fino”, devido à caracterização grosseira da pobreza (barulhenta, sem modos, cafona) em oposição a um privilégio elegante e asséptico. A protagonista fala alto e grita com o garçom num restaurante fino; ridiculariza os passageiros de um ônibus; veste estampas e peles de cores variadas. O espectador nunca é convidado a ficar feliz por Selminha, nem torcer para que outras pessoas tenham experiência semelhante. Pelo contrário, o humor provém da sensação de que ela ocupa um espaço que não lhe pertence, e sendo patética ao mimetizar a classe social oposta. Há um conformismo inerente à percepção de que os trabalhadores deveriam permanecer rudes; em oposição aos patrões dotados por natureza da capacidade de gerenciar bens e funcionários. Estas produções se assemelham às comédias sobre troca de corpos, quando adultos se passam por adolescentes, ou homens ocupam a aparência feminina, no sentido de rirem de um deslocamento interpretado como antinatural, avesso à ordem das coisas, e em consequência, digno de escárnio. O segundo filme efetua um esforço notável para incluir indivíduos LGBTQIA+ com respeito e direito ao amor romântico, mas então associam suas imagens à canção “Me Solta”, de um cantor homofóbico e transfóbico. Há uma dificuldade em conceber avanços orgânicos: a personagem interpretada por Wallie Ruy pode encontrar uma namorada, contanto que seja uma figurante sem falas nem importância narrativa.
Longe de um discurso conservador estrito, o longa-metragem prega um olhar inocente, até infantilizado, das relações políticas e sociais. A evolução equivale a um faz-de-conta efêmero: Selminha tentava se eleger presidenta na primeira aventura, e uma vez impedida por um problema técnico, desiste sem olhar para trás. Na segunda vez, patrocina uma organização comunitária onde possui participação efetiva nula. Ela sustenta a tese de que todo político seria ladrão, transformando as classes baixas em vítimas de uma corrupção sem rosto nem nome, e desprovida de causas específicas. Como se sabe, o discurso “contra tudo o que está aí” foi responsável por eleger algumas anomalias democráticas no Brasil atual. No entanto, o pressuposto de uma organização onde nada funciona é aproveitado de maneira condescendente: nosso país seria assim mesmo. De que adianta reclamar, se todos os representantes são iguais? O pudor se estende aos relacionamentos: as personagens falam sobre sexo, mas jamais transam de fato. Após sugerir a saudade do pênis do namorado Ruben (Marcello Melo Jr.), a protagonista lhe dá um beijo comportado nos lábios. Nenhuma transformação soa definitiva: Selma corre o risco de ser destituída de seu dinheiro a qualquer momento; as amizades se desfazem; os empregos se perdem; as associações se fecham. O conformismo culmina no discurso moralizante de que riqueza não traz felicidade, e os moradores desafortunados seriam mais contentes em suas feijoadas comunitárias.
Tô Ryca! 2 também se insere numa vertente específica da comédia popular brasileira, vista por tantos enquanto a única possível. Trata-se de um estilo dependente de diálogos velozes, gritados, disparados quase sem respiro. Samantha Schmütz é uma atriz bastante talentosa, capaz de brincar com as falas aceleradas e as tiradas sarcásticas. Ela se junta a Fábio Porchat, Paulo Gustavo, Rodrigo Sant’Anna e Leandro Hassum na ideia de que humor equivale a diálogo, enquanto a direção se isenta da responsabilidade de criar piadas através da linguagem, os enquadramentos, a luz, a duração dos planos. A confiança recai sobre os ombros dos intérpretes dedicados, ocupando uma obra com pavor do silêncio. Ora, as produções populares já brincaram com personagens tristes, com aqueles falam pouco, com patrões incapazes, os presidentes inadequados, os contextos absurdos. Em contrapartida, esta vertente insiste na sobrecarga de piadas entoadas diante de um cenário desimportante — talvez por isso, tenham a forte aparência de peças teatrais, investindo em cenas com fundo tão desfocado que poderiam se passar em qualquer cidade ou bairro.
O projeto conta com alguns dos atores mais talentosos do humor recente: Rafael Portugal, Evelyn Castro, Katiúscia Canoro. É uma pena que estes artistas sejam pouco aproveitados no processo de criação (algo semelhante ocorre diante da presença de Marcelo Adnet e Luís Lobianco desperdiçados em textos fracos). A Internet tem demonstrado uma diversidade cômica fundamental, que infelizmente não chega ao formato caro e complexo dos longas-metragens. As esquetes politizadas do Porta dos Fundos, os grupos munidos de um teor anárquico e os artistas provocadores são obrigados a assumir uma postura menos ousada quando adentram o circuito comercial. Assim, o Brasil atual possui os melhores comediantes, mas não as melhores comédias. Na intenção de agradar a todos os setores, sejam eles adolescentes ou adultos, de caráter conservador ou progressista, o discurso se apequena e resulta inofensivo. O caráter inclusivo se faz pela metade; a crítica à corrupção impede a proposta de alternativas; a representação da vida adulta recusa o sexo, a violência, a raiva. Impera portanto uma inconsequência cordial, acatada sem revolta: Selminha prefere se voltar contra sua sósia, numa reprise de Esqueceram de Mim, a contestar as falhas do sistema. A comédia nunca foi avessa aos temas sérios, pelo contrário: ela constitui um motor fundamental para atacar problemas reais com distanciamento, de maneira acessível ao público. Ora, Tô Ryca! 2 possui tanto medo de desagradar que prefere, pela enésima vez, rir da cara destes pobres abusados que ousam sair de seu local de pobreza.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 2 |
Robledo Milani | 4 |
Ailton Monteiro | 4 |
MÉDIA | 3.3 |
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