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Sinopse

Em Todo Mundo Ama Jeanne, mesmo dona de um grande potencial, Jeanne está atolada em dívidas e atravessando problemas emocionais. Decidida a colocar a vida em dia, viaja a Portugal a fim de vender o apartamento da mãe que faleceu há cerca de um ano.

Crítica

Jeanne tem um mundo a conquistar pela frente... ou, melhor dizendo, isso tudo ficou para trás. Seus sonhos de fama e vitória, que seriam proporcionados pela criação de uma máquina engenhosa de reciclar detritos plásticos encontrados nos oceanos , acabaram no fundo do mar, tal qual sua invenção. A ela, agora, resta o caminho para cima – afinal, como se diz por aí, a única coisa boa de se ter chegado ao fundo do poço é que, uma vez lá, pior não tem como ficar. Mas, no caso dessa protagonista, não é bem assim. Afinal, além da derrota pessoal, há também um trauma familiar com o qual lidar: a mãe se suicidou recentemente, e a herança que coube a ela e ao irmão foi um apartamento em uma outra cidade, uma viagem que se verá obrigada a fazer não apenas por uma questão emocional, mas também prática: a venda do imóvel poderá lhe prover os recursos que nesse momento tanto necessita. Como se vê, eis aqui um filme que fala mais de percepções e sentimentos, e menos de atos ou movimentos concretos. Nada que não se tenha visto antes, mas Todo Mundo Ama Jeanne ao menos possui tamanha franqueza em sua abordagem, além de um ou outro ponto inesperado que vai agregando com o desenrolar da trama, que aos poucos um charme particular se sobressai, justificando um olhar atento em relação a esse conto de recomeços e superações.

Todo mundo ama Jeanne. Quer dizer, ao menos naquela época, era o que se dizia”, afirma Jean, alguém que a protagonista mal consegue lembrar da existência, mas que passa a tratá-la como uma velha conhecida sem a menor cerimônia. Os dois estão no aeroporto, prestes a deixar Paris para trás e irem de encontro com uma Lisboa que resiste frente às transformações de um mundo cada vez mais veloz e desmemoriado. Os dois foram colegas, quando crianças, na escola francesa da capital portuguesa. Ele está voltando pois está, finalmente, pronto para retomar o controle de sua vida. Seus motivos, no entanto, não virão à tona de forma didática, por meio de um discurso explicativo que ninguém pediu em tantos detalhes. Não que seja desimportante. Pelo contrário. Cada instante dele em cena serve para aumentar a curiosidade a seu respeito, tanto do espectador, como por parte de Jeanne, que segue esforçada em desvendar aquela figura estranha, mas ainda assim envolvente, que surgiu em seu caminho.

Ela, por sua vez, acreditava ter tudo determinado passo a passo. Um cálculo mal feito, ou uma ação inesperada, colocou tudo a perder. Se antes chegou a ser chamada de “mulher do ano”, agora está prestes a declarar falência. É por isso que a venda do apartamento se faz urgente. A mudança de cenário, assim como o se permitir experimentar uma nova dinâmica de vida e perspectivas, irão mexer com as suas verdades. Por qual razão a mãe decidiu acabar com tudo? O que ela mesma poderá fazer dali para frente? Com quem deve ficar, com o ex-namorado, que abandonou por motivos que nem mesmo consegue se lembrar, ou com esse tipo que invadiu seus dias sem pedir permissão, mas do qual não se vê distante? Ele a entende sem a necessidade de esclarecimentos, e isso não apenas lhe causa espanto, como também possibilita uma sensação de estar em casa. O reconhecimento entre eles é mútuo, e por mais que o galã português não seja uma má pessoa – felizmente, estas são pessoas de verdade, e não figuras estereotipadas – as chances de um frente ao outro parecem bastante óbvias.

Se não há suspense enquanto comédia romântica, é porque a diretora e roteirista Céline Devaux assim decidiu. Por mais que este seja seu trabalho de estreia no formato, a cineasta já possui um César pelo curta Le Repas Dominical (2015), além de ter sido consultora do roteiro do interessante Paris 13o Distrito (2021). Ou seja, definitivamente não se trata de uma novata. E seu interesse está voltado, isso é claro, aos personagens que reúne. Como a senhora do prédio da frente, que resiste bravamente à especulação imobiliária, Jeanne também precisa saber o momento certo de agir, não pressionada pelos demais – sejam eles credores, investidores ou mesmo amigos e familiares – mas por si só. Tem-se aqui é uma mulher repleta de inseguranças, mas também dona de um potencial que talvez nem ela mesma o conheça por completo. Esse período pode ser tanto de descanso e de repor energias, como também de descobertas e novos olhares, não apenas os direcionados aos cenários que percorre, mas também para dentro de si. A analogia não é sutil, e em algumas passagens, até mesmo óbvia. Como dito acima, isso não é acidental. Faz parte do jogo.

Mas o que de fato diferencia Todo Mundo Ama Jeanne de uma linhagem de produções similares? Além do carisma destes personagens e de atuações convincentes tanto de Blanche Gardin (Apagar o Histórico, 2020) quanto de Laurent Lafitte, que com leveza e muito jogo de cintura consegue se afastar das performances sisudas que geralmente entrega, como as vistas em O Professor Substituto (2018) ou Elle (2016), se verifica uma manobra de roteiro que Devaux apresenta como uma carta tirada da manga e que de imediato conquista sua audiência: Jeanne passa o filme inteiro conversando com ela mesma, em uma versão animada que mais parece o Primo It da Família Addams. O seu id sem muito esforço se sobrepõe ao embate entre ego e superego, revelando tanto fragilidades e receios, como ansiedades e devaneios. Há gritos de socorro e instantes deliberados de sabotagem, mas no final, o que restará, é a necessidade de aprender a lidar consigo. Pois todos podem amá-la. Mas nada importa mais do que o amor-próprio. E quando se caminha, permitindo-se deixar as preocupações para lá, é quando a mudança, de fato, acontece. Parece pouco para quem observa de longe. Mas para quem está no centro de tudo é como a noite, enfim, virar dia.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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