Crítica
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Sinopse
Em Todo Tempo Que Temos, as vidas de Almut (Florence Pugh), uma talentosa chef de cozinha, e Tobias (Andrew Garfield), um homem recém-divorciado, mudam para sempre quando ela o atropela. Após esse encontro inusitado, se apaixonam e constroem o lar e a família que sempre sonharam, até que uma verdade dolorosa põe à prova essa história de amor.
Crítica
Dentro dos dramas românticos feitos nas últimas décadas, os que mostram relacionamentos ameaçados por doenças terminais formam um filão à parte – nem sempre feito de filmes minimamente bons. De todos os contratempos capazes de interromper um romance, a morte é o único definitivo. Traições, desavenças, desencontros e quaisquer outras divergências podem ser solucionadas, mas somos impotentes diante da certeza da morte. Todo Tempo que Temos começa anunciando a possibilidade de uma ruptura com essa natureza categórica. A chef de cozinha Almut (Florence Pugh) recebe a notícia de que está em recidiva (quando um câncer retorna após ter entrado em remissão). Seu companheiro, Tobias (Andrew Garfield), tenta assumir uma posição racional diante dessa revelação bombástica, mas os seus olhos marejados entregam o sofrimento de saber que haverá a necessidade de uma nova rodada de luta. Grande destaque do filme, o texto assinado por Nick Payne opta por subverter um modelo muito comum nesse tipo de produção. Em vez de partir da construção do amor, mostrá-lo se estabelecendo e apenas depois anunciar a doença que o ameaça, o roteiro parte da notícia fatídica e vai construindo as noções desse envolvimento ao transitar livremente entre passado, presente e futuro. Assim, somos apresentados a todas as etapas desse namoro já cientes de que ele terá um fim em breve.
Guardadas as devidas proporções, Todo Tempo que Temos toma um caminho semelhante ao percorrido por Woody Allen em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977). Se nas comédias românticas também é comum começar com a construção da paixão para somente depois incluir as crises e as possibilidade de rompimento, Allen transita na contramão ao revelar prontamente que o namoro entre os protagonistas terminou. Com isso ele deixa implícito, até nos instantes mais felizes do retrato do relacionamento, que o vínculo tem prazo de validade – e todos não têm, em alguma medida? O cineasta John Crowley conduz a trama a partir dessa tomada inicial de consciência sobre o pouco tempo que os personagens têm juntos. Com habilidade, ele volta no tempo para mostrar os protagonistas se conhecendo, logo depois testemunhando os dois tentando conversar com a filha pequena a respeito da doença potencialmente fatal da mãe. E esse entrelaçamento entre temporalidades distintas é o grande charme de um filme que tem também como mérito a capacidade de elaborar o sofrimento dos personagens sem chantagear emocionalmente o público (pelo menos não tanto como outras produções do tipo). Felizmente, Crowley compreende que não é preciso enfatizar de cinco em cinco segundos algo naturalmente dramático, assim confiando na sensibilidade do espectador para captar um universo mais amplo.
Florence Pugh está muito bem como essa mulher de comportamento livre desafiada a lutar pela segunda vez contra uma doença cujo diagnóstico é sempre desesperador. Ela não é apenas a mulher/mãe prestes a morrer, ou seja, não fica restrita ao papel de elemento condicionante do comportamento e da angústia dos demais personagens. Ela é uma figura interessante com nuances contempladas, da autonomia emocional, passando pela paixão profissional, chegando até as demonstrações de uma personalidade forte. Já Andrew Garfield tem uma tarefa distinta ao interpretar o principal elemento masculino da trama. Ainda que Tobias não seja investigado profundamente, ele representa o elo cuja dor nunca ultrapassa uma importante linha de prioridades. Por mais que Tobias seja duramente afetado pela iminente morte da esposa, situação que o transformaria num viúvo com a filha órfã para criar sozinho, ele nunca é lido pelo filme como o mais duramente afetado pela circunstância. John Crowley é cuidadoso ao desenhar o martírio do homem como algo natural, mas nunca tão aflitivo quanto o da mulher, afinal de contas ela é quem está encarando precocemente a finitude. E numa história tão naturalmente dramática, são louváveis os esforços para não reiterar desnecessariamente a tristeza. Por exemplo, o diretor sabe que não precisa sublinhar o que naturalmente pode causar dor a todos.
Todo Tempo que Temos tinha tudo para ser um melodrama do tipo rasgado, daqueles em que as emoções permanecem à flor da pele num mundo prestes a ruir. Porém, John Crowley opta por trabalhar com os sentimentos de maneira mais versátil, dosando habilmente os instantes de emoções afloradas com aqueles nos quais as pessoas se esforçam para não demonstrar fragilidade. Exemplo disso é quando, num jantar que reúne as famílias dos protagonistas, Tobias fica sabendo uma peculiaridade do passado de Almut. Numa produção mais simplista, talvez isso seria o gatilho para uma pequena crise de confiança entre eles, mas o cineasta utiliza as ressalvas compreensíveis do homem mais para preparar o terreno ao encerramento emotivo do que, necessariamente, a fim de colocar uma barreira momentânea entre os dois e a felicidade. Certamente não estamos diante de um filme que mergulha nas profundezas dessas pessoas atravessadas pela tragédia. A trama negocia constantemente com os clichês do filão, ora aderindo a eles como forma de atender ao espectador ansioso por mais do mesmo, ora fazendo breves (mas importantes) desvios do lugar-comum para adquirir alguma personalidade própria. Os desempenhos muito convincentes, às vezes até mesmo emocionantes, de Florence Pugh e Andrew Garfield são a cereja de um bolo com gosto bastante familiar, mas ainda assim saboroso.
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