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Sinopse

Um historiador viaja por várias cidades do Brasil e no exterior em busca de resposta a uma pergunta: o que é acessibilidade? Acompanhando a trajetória de Felipe, um homem que tem deficiência visual, que percorre caminhos que são acessíveis e outros com muitas barreiras.

Crítica

Sair da sessão com algumas cenas do filme ainda na lembrança é algo natural. O ambiente da sala de exibição é construído para que nossa atenção esteja voltada à tela e haja um verdadeiro mergulho no universo proposto pelas imagens. Mas, e quando as lembranças são apenas vozes e ruídos? É assim que alguém com deficiência visual vivia a experiência do cinema antes do advento da audiodescrição. Eis que surge a dúvida: quantas salas conhecidas realizam sessões assim? Poucas e talvez na sua cidade elas nem existam. Então, por que há projetos para construções de rampas de acesso a cadeirantes e poucas propostas de investimento em lugares culturais que possam receber deficientes visuais e auditivos? Todos, documentário de Marilaine Castro da Costa e Luiz Alberto Cassol, que integra a programação da Mostra Gaúcha do 45 º Festival de Cinema de Gramado, tem essa questão como norte.

A temática da inclusão de pessoas com as mais diversas deficiências, sejam elas físicas ou cognitivas, não é uma novidade no universo documental. O diferencial de Todos está em sua preocupação com um tipo de inclusão pouco presente nas campanhas de conscientização. A chamada inclusão atitudinal refere-se à construção de um comportamento isento de preconceitos na relação entre deficientes e não deficientes. O primeiro dos muitos depoimentos emocionantes do longa é o do historiador Felipe Mianes. Deficiente visual desde a infância e personagem condutor da narrativa, ele afirma ser visto como “um grande olho que não enxerga, e não como um indivíduo”. Poucos são os que discutem essa invisibilidade, como se a vida do deficiente se resumisse às suas limitações. Felipe, com apenas uma frase, deixa claro o que já devia ser sabido de antemão, que há um ser humano com complexidades, medos, desejos e dilemas antes do deficiente visual.

Ao longo de pouco mais de uma hora, acompanhamos Felipe nos mais diversos lugares. Das conhecidas ruas de sua cidade, Porto Alegre, às calçadas perigosas de Lisboa, sempre pensando sobre a construção de acessibilidades nos locais, em especial a arquitetônica, que influencia diretamente o contato com a arte. Como desfrutar de um prédio histórico ou de um museu se tais locais não foram pensados para frequentadores com deficiência? A fala de um arquiteto português é certeira. Ele afirma que os projetistas deveriam pensar em todas as pessoas, sem distinção. A simples retirada de um corrimão, muitas vezes por questões estéticas, é algo que muda o acesso a um lugar e pode garantir ou não a presença de gente com dificuldade de locomoção, por exemplo. Aos que pensam “sempre haverá alguém para ajudar”, vale lembrar que se há algo libertador no mundo é a autonomia. E isso todos almejam, deficientes ou não.

Todos busca uma gama de opiniões bastante vasta, ouvindo de designers a religiosos, à procura de novas forma de inclusão, não se atendo a apenas um tipo de deficiência. Daltônicos, por exemplo, também precisam de acessibilidade e há quem pense em maneiras mais intensas deles perceberem o mundo. Talvez por prezar a ampla abrangência, o filme invista em depoimentos rápidos, deixando a sensação de que haveria muito mais a ser dito. A própria visita de Felipe ao museu volta-se mais a questões explicativas das técnicas de inclusão do que à revelação de uma nova possibilidade de vivência do deficiente visual. Momentos nos quais poderíamos ter uma ideia da aventura que deve ser descobrir coisas novas sem precisar de um auxílio mais próximo, como um acompanhante, por exemplo, tornam-se meros relatos do funcionamento das tecnologias.

A trilha sonora insistente é um incômodo que Todos poderia ter evitado, já que ela não cessa nem durante os depoimentos, e muitos deles não precisariam de música de fundo para tocar o espectador. Tocar não apenas no sentido emocional, mas no que tange à empatia. Quantas vezes nos preocupamos com o mundo tendo como partida apenas nosso olhar, nossa vivência e bagagem? Se acessibilidade fosse uma constante e não um luxo relegado a poucos lugares, teríamos uma visão diferente da deficiência? Menos olhares de piedade recairiam sobre cadeirantes, cegos, surdos ou portadores de Síndrome de Down se essas pessoas estivessem mais presentes na sociedade, frequentando os mesmos lugares que alguém sem deficiência, dispensando um cômodo dito especial? Há algumas respostas dentro do documentário, nenhuma definitiva, pois acessibilidade e inclusão são coisas que devem ser construídas.

Se a edição e a escolha do posicionamento de câmera não são os pontos fortes do filme de Marilaine e Cassol, a experiência de assisti-lo não passa em branco devido ao seu conteúdo humano. Cada entrevistado traz à narrativa ideias e relatos de experiências que ensinam mais que qualquer regra sobre o que torna algo acessível ao não. Antes que o mundo vire o lugar ideal, onde não haverá barreiras arquitetônicas ou sociais que impeçam toda e qualquer pessoa de ir e vir, sempre teremos o acesso ao tipo mais incrível de experiência: a troca entre duas pessoas. De energia e aprendizado.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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