float(48) float(13) float(3.7)

Crítica


6

Leitores


13 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

Marek convida os amigos para a sua casa na Festa de Ano Novo. As celebrações começam tranquilamente, até pequenos conflitos deflagrarem brigas entre eles. Entre jogos, provocações e sexo às escondidas, as tensões aumentarão. Na manhã seguinte, todos serão encontrados mortos pelos policiais.

Crítica

Um casarão repleto de cadáveres. A primeira cena desta comédia de terror interessa pela literalidade: dezenas de personagens estão mortos, sangrentos, espalhados por todos os cômodos. Não é necessário esforço para descobrir paradeiros, alguma arma oculta, um segredo importante: tudo o que precisa ser conhecido pelo público está mostrado desde as imagens iniciais, como uma exposição onde os policiais podem admirar à vontade. Enquanto o suspense torna a morte obscura, a comédia opta pela superficialidade: o diretor Jan Belcl revela o máximo possível, com clareza. (O conflito entre opacidade e transparência se torna um bom parâmetro para separar os dois gêneros, aliás). Curiosamente, os investigadores nunca manifestam interesse real em descobrir como dezenas de jovens terminaram assassinados após uma festa de Ano Novo. Apenas o espectador, em posição privilegiada de voyeur, descobrirá exatamente o que ocorreu neste encontro. Após a surpreendente sequência de abertura, focando-se em símbolos particulares (um machado, a mão ao piano, um recado no papel higiênico), a narrativa inteira se constrói através de um longo flashback, demonstrando como o comportado encontro entre amigos se converte na carnificina.

O recurso funciona bem dentro desta proposta, por prometer ao espectador uma grande recompensa caso permaneça até o final – sendo o teaser inicial um recurso típico dos tempos velozes de redes sociais, onde o desinteresse pode implicar no rápido abandono do conteúdo. Ao mesmo tempo, produz forte expectativa quanto ao desenrolar da trama, que precisa estar à altura do desfecho-introdução prometido. O diretor possui consciência tanto de sua responsabilidade, em termos de tom e ritmo, quanto da inconsequência permitida pela linguagem do absurdo. Primeiro, ele apresenta uma dúzia de protagonistas enquanto estereótipos: as gêmeas ninfomaníacas, o esportista cobiçado, a namorada espiritualizada dele, os amigos nerds e virgens, a mulher bela e madura, o anfitrião infantil, a irmã sarcástica de um deles, e assim por diante. Ninguém adquire qualquer aprofundamento psicológico, até para o espectador não se apegar ao grupo quando forem abatidos, um por um. Quando cada um deles morre, um estereótipo específico sai de cena. Quem sobreviverá até o fim? As patricinhas ou os homens corajosos? Os bêbados ou os sóbrios? O dispositivo apresenta um interessante caráter de jogo, ou reality show.

É interessante notar que todos os dilemas são decorrentes do sexo. As mulheres do filme são muito mais seguras quanto aos seus desejos do que os homens, divididos entre o perfil do fracassado e aquele do garanhão que, no fundo, mantém relacionamentos frustrantes com as parceiras. De qualquer modo, as brigas prévias à catástrofe partem de um ato sexual presente ou passado, da vontade de concretizar o sexo ou da proibição de fazê-lo. Pela presença de mães e filhos, irmãs e irmãos reunidos neste espaço, o dilema de ordem familiar será inevitável: adolescentes serão confrontados à sexualidade materna, enquanto os adultos descobrirão os fetiches dos jovens. O roteiro evita se aprofundar em qualquer leitura psicanalítica – afinal, isso implicaria adentrar áreas complexas, contrárias a este estilo de humor -, no entanto, permite uma brincadeira despretensiosa com códigos e funções sociais. O roteiro abraça o vocabulário chulo, revela nudez e simula atos sexuais mais crus do que a média das comédias adolescentes. Embora guarde certo parentesco com a saga American Pie (1999 - 2020), devido à obsessão pelo ato sexual, ele se desvincula do formato teen de décadas atrás ao sugerir que a realização dos os desejos conduz simbolicamente à morte.

O subgênero da “comédia de terror” pode sugerir algo macabro, ao contrário do que o filme tem a oferecer. Três quartos da narrativa se assemelham a uma comédia de costumes bastante americanizada, pela presença de jovens jogando beer pong e discutindo quem vai ficar com a garota mais cobiçada da noite. A direção favorece esta dinâmica: a câmera segue um personagem pela casa em suas trapalhadas românticas, até cruzar o caminho de outro nos corredores e preferir continuar com este. A montagem e a direção resolvem razoavelmente bem o objetivo de seguir simultaneamente meia dúzia de cômodos – mesmo quando não vemos um grupo de personagens, podemos supor o que estão fazendo. O ritmo é fluido e agradável, apesar dos personagens rasos, em interações improváveis. Belcl aproxima a comédia besteirol e o terror slasher pela inconsequência comum a ambos: indiferente a qualquer personagem da festa, o filme mostra preocupação maior em criar as circunstâncias exatas para o embate. Após diversos instantes próximos de um humor televisivo, o clímax se converte no único fragmento de puro de terror trash, uma mistura inesperada de musical, teatro do absurdo e matança. Existe um teor tão forte quanto infantil na maneira como o diretor concebe esta sequência, digna de um espetáculo de marionetes para adultos perversos.

Por fim, Todos os Meus Amigos Estão Mortos (2020) constitui um filme fácil, sem construir pistas a serem desvendadas, nem revelações notáveis sobre os personagens. Trata-se de um grupo de pessoas bonitas, numa festa divertida, escutando boa música pop, sem real impedimento para a concretização dos crimes. Enquanto um machado quebra a porta, um grupo de jovens observa a cena com desinteresse, a poucos metros de distância. Quando se depara com um cadáver no corredor e uma gigantesca mancha de sangue na parede, uma personagem despreza este inconveniente e segue seu caminho. A postura pode soar inverossímil, ou talvez proporcione, pelo contrário, a chave mais contemporânea e pertinente à juventude blasé nos nossos tempos. Na impossibilidade de praticar o sexo, praticamos a morte, e desprezamos a situação do outro – vide a bela e simbólica cena de um trio fazendo sexo ao lado de um cadáver coberto de vômito. Nada importa além do meu próprio prazer imediato. O diretor não precisar transformar os personagens em figuras detestáveis para justificar este comportamento: eles apenas querem curtir, aproveitar a noite, cuidar de sua “saúde mental”. De maneira curiosa, esta festa da carnificina dialoga com tempos pandêmicos de pessoas se aglomerando sem máscaras. Afinal, quem se importa com o dia de amanhã?

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
6
Leonardo Ribeiro
5
MÉDIA
5.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *