Sinopse
Menina de 10 anos, Laure sempre se sentiu bem mais menino. Ao se mudar para outro bairro, ela se apresenta aos novos amigos como Michäel, explorando assim sua identidade de gênero.
Crítica
Uma das expressões mais curiosas – e equivocadas – que envolve a questão da identidade de gênero é a tal da “opção sexual”, como se o fato de sermos homens ou mulheres, meninos ou meninas, fosse algo de competência de uma mera escolha. E, como se sabe há muito tempo, isso está também longe de ser algo meramente físico. Não basta ter o órgão masculino ou feminino, pois o que importa definitivamente, em última instância, é o debate mental, psicológico, que se dá internamente em cada indivíduo. É importante pensar e agir como tal, além dos limites meramente estéticos ou impostos pelos pares e pela sociedade. E assumir-se como tal é algo que pode acontecer em qualquer etapa da vida, seja na velhice (algo semelhante, mas não igual, ao que acontece com o pai do protagonista de Toda Forma de Amor), na maturidade, na juventude ou mesmo na infância. E é justamente este o caso que acompanhamos no fantástico Tomboy.
Laure (a impressionante Zoé Héran) é uma menina de 10 anos que, junto com os pais e a irmã mais nova, está se mudando para um novo condomínio. Ela usa cabelos curtos e roupas masculinas, como regatas e bermudas. A mãe, grávida do terceiro filho, está feliz com a nova residência e comemora com a primogênita o fato do quarto dela ser azul, tal qual a garota havia pedido. O pai, amoroso e presente, aproveita o tempo livre do trabalho para ensinar a filha a dirigir, sentada no seu próprio colo. A irmãzinha, falante e desinibida, não parece achar nada estranho no fato da irmã mais velha ser bem diferente dela, sem cabelos compridos e cacheados nem vestidos de florzinhas. São pessoas felizes, e isso se percebe de imediato.
No primeiro dia em que sai à rua para conhecer a gurizada da vizinhança, Laure de depara com Lisa, que a toma por menino e passa a tratá-la como tal. Quando é indagada pela nova amiga sobre seu nome, Laure responde: “Michaël”! E a partir desse instante ela vira “mais um dos meninos”, mesmo que em nenhum momento ela se torne igual. Lisa a olha com outros olhos, e uma atração entre as duas logo surge. Mas são crianças, e um mero selinho, um toque de lábios, pode significar muito num instante, para logo ser esquecido. E “Michäel” faz tudo que a turma faz: joga futebol, luta para defender a irmã menor, nada de sunga... Como desconfiar? E ainda: como acreditar quando a verdade vier à tona? Sim, pois o dia do retorno às aulas está perto, e se todos são colegas, quem irá responder à chamada da professora: Laure ou “Michäel”?
Tomboy tem tantos acertos que tudo o que nos resta é um imenso sorriso no final da projeção. Não é filme para chorar ou provocar, e alguns pensarão duas vezes em recomendá-lo com mais entusiasmo, da forma como fazem com o último blockbuster vitaminado por muita pipoca e refrigerante. É uma obra pequena em tamanho – a diretora e roteirista é mais conhecida pelo simpático Lírios D’Água (2007), ninguém no elenco possui histórico de destaque, o orçamento foi limitado – mas enorme em delicadeza, sensibilidade e compaixão por seus personagens. Os adultos não possuem nomes – é apenas o “pai”, a “mãe”, a “vizinha” – pois quem importa são os pequenos. Algumas reações podem parecer extremadas num primeiro instante, mas imediatamente são justificadas, e mesmo que a angústia nos domine, entenderemos as razões de cada um. E, no final, o que importa é o recomeçar, o entendimento, a aceitação. Se assim somos, assim deveremos ser, a despeito do que qualquer um possa dizer. E essa é a principal lição que esse belíssimo e comovente filme nos ensina.
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