Crítica
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Sinopse
Roma, Itália. Um artista americano se esforça em aprender a língua local, enquanto trabalha em um novo projeto para o cinema. Vivendo com sua esposa, bem mais nova que ele, e uma filha de apenas três anos, ele enfrenta dificuldades em lidar com a dedicação dela à criança, em detrimento da vida em casal.
Crítica
Tommaso é um filme instigante, e para melhor compreender o porquê é necessário mergulhar um pouco nos bastidores desta produção. Não é de hoje que Abel Ferrara e Willem Dafoe mantêm uma parceria produtiva, basta relembrar os outros seis filmes que diretor e ator rodaram juntos. Diante de tamanha cumplicidade, Ferrara ofereceu um papel tentador e arriscado: o de si mesmo. Ou uma versão dele.
Apesar de não ser uma autocinebiografia, há bastante da vida do próprio Abel Ferrara neste longa-metragem. A começar pela presença de sua esposa e filha, Cristina Chiriac e Anna Ferrara, como esposa e filha do personagem de Dafoe, um artista americano que vive em Roma e, enquanto prepara seu novo filme, tenta aprender a língua local. Além do óbvio fato de que ambos trabalham no meio cinematográfico, há o detalhe primordial desta história: como um homem mais velho se sente ao ter uma esposa bem mais jovem, e vê-la se dedicar cada vez mais à criança do que à vida em casal. Algo vivenciado pelo próprio Ferrara, aos 67 anos e com uma filha de apenas três, quando as filmagens aconteceram.
Por mais que haja muito de pessoal em Tommaso, o longa soa mais como uma reinvenção de si mesmo sob o olhar das câmeras do que propriamente um relato fiel do que vivenciou, por mais que, obviamente, Ferrara tenha usado tal material como base ao escrever o roteiro. Para tanto, o diretor constrói uma narrativa bastante fragmentada e calcada especialmente nas memórias de seu personagem-título, ora revelando marcas do passado, ora seu esforço em se integrar ao cotidiano da cidade, ora escondendo ou escancarando problemas no matrimônio. Não há propriamente uma linearidade, já que o objetivo é desenvolver uma perspectiva que ressalte mais sensações que fatos. No fim das contas, o que Ferrara quer mesmo é falar sobre desejo, inseguranças, necessidades e frustrações.
Para tanto, Tommaso assume escancaradamente o viés masculino, seja ao focar apenas na persona e interesses de seu personagem-título ou mesmo em uma certa objetificação de sua esposa, através da intensa cena de sexo e também nas variadas sequências que exploram a nudez frontal de Chiriac. Neste filme, Ferrara não está propriamente interessado em ouvir o lado dela, por isso sua representação evocando muito mais o desejo dele. Faz parte do conceitual em torno desta proposta narrativa, por mais que possa ser, também, motivo de críticas. O diretor assume o risco, revelando também um viés de sua personalidade.
Outro risco assumido é o da mimetização do personagem de Dafoe com o próprio diretor, ainda mais após sua ponta como ouvinte no relato feito sobre uma internação, ocorrida anos antes. Ao mesmo tempo em que ali escancara parte de sua vida, Ferrara estabelece um jogo de forma que jamais se saiba realmente o que é verdade e ficção, dentre tudo que acontece com Tommaso. Tal dinâmica, que remete - com bem menos força - a Cópia Fiel (2010), é o que deixa o filme tão instigante.
No mais, é sempre agradável conferir Willem Dafoe em boa forma, aqui demonstrando uma notável desenvoltura na língua italiana. Perto do desfecho, Ferrara ainda presta uma breve homenagem ao seu protagonista, recriando uma icônica cena de A Última Tentação de Cristo (1988). Trata-se de um filme bem interessante, que ao optar por uma narrativa difusa que busca a individualidade de seu personagem-título, aliado às muitas referências ao diretor, oferece uma dinâmica rara e difícil de ser encontrada.
Filme visto em Portugal, em maio de 2020.
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