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Sinopse

Muita coisa aconteceu no mundo dos anos 1980 para a atualidade. A tecnologia adquiriu outros status e passou a moldar as experiências de modo diferente. Mas, o experiente piloto Maverick confirma que nada substitui o humano.

Crítica

Os anos 1980 foram responsáveis por algumas anomalias cinematográficas que perduram até os dias de hoje. O filme Top Gun: Ases Indomáveis (1986) é uma delas. Maior sucesso de bilheteria do seu ano de lançamento, indicado a 4 Oscars (e vencedor como Melhor Canção Original), foi um dos pilares do caminho de Tom Cruise ao estrelato hollywoodiano. E tudo isso, falando de aviões militares, com sua ação na maior parte do tempo ocorrendo em salas de aula (e não nos ares), com o herói galanteador envolvido em um romance com uma mulher mais velha (algo que pouco é levado em consideração pela trama) e um argumento mal elaborado e desenvolvido de modo displicente. Tem coisas, enfim, que não se explicam – se aceitam. E esta é uma delas. Porém, foram necessários quase quarenta anos, e eis que agora se está diante de Top Gun: Maverick, uma improvável sequência que não só consegue (sem muito esforço, como se percebe) ser melhor que o original, como também reforça uma insuspeita complexidade em personagens carismáticos, ao mesmo tempo em que os coloca envolvidos em um contexto que, enfim, preza tanto pelo caráter humano como pelas intrincadas sequências de ação, construindo um ambiente de proximidade com o público, assim como de assimilação pelas metas a serem elaboradas e alcançadas.

É preciso se assumir como se é de fato para que a mudança, enfim, aconteça. Maverick (Cruise) sofreu vários reveses ao longo de sua carreira, tanto que, ao passo que muitos dos seus colegas avançaram em postos dentro da marinha, ele segue como um capitão de base. Quando se via em uma encruzilhada sem ter para onde ir, ganha uma nova – e talvez derradeira – chance ao ser convocado para retornar ao último lugar onde imaginou que talvez fosse necessário: a academia de formação de pilotos conhecida como Top Gun. Ou seja, é um chamado ao seu próprio recomeço, uma volta às origens. A impressão, nesse ponto, é de uma estrutura por demais circular. Após um prólogo cujo único objetivo é reforçar o perfil rebelde do personagem, ele irá para a base militar de onde havia saído tanto tempo atrás. Uma visita ao bar na noite anterior ao início do trabalho irá provocar tanto uma confusão com futuros colegas como acender a chama de um possível interesse amoroso. Ou seja, nada de novo no front.

Como se percebe, a estrutura nesse primeiro momento é bastante similar à vista em Top Gun: Ases Indomáveis. Até a chegada do instrutor é a mesma: Maverick se coloca diante dos alunos exatamente como Charlie (Kelly McGillis) fez quase quatro décadas antes. Assim também será a dinâmica entre os membros dessa escola de ponta. Se antes a rivalidade era entre Maverick e Iceman (Val Kilmer, respondendo por uma das passagens mais emocionantes do novo filme), quem assume agora esses postos são Rooster (Miles Teller, revelando um interessante potencial dramático) e Hangman (Glen Powell, mostrando com carisma ir além de uma estampa atraente). Mas os tempos são outros, e se nos anos 1980 todos os pilotos eram homens brancos, agora temos nos bancos de ensino um negro (Jay Ellis), um latino (Danny Ramirez), um oriental (Manny Jacinto) e até uma mulher (Monica Barbaro). É de se lamentar, porém, que o filme não esteja interessado neles, pois servem apenas para compor cenário. O foco, afinal, está nos protagonistas – mas não apenas neles. E é aqui que Maverick começa a se diferenciar em relação à Ases Indomáveis. Há mais em jogo.

Pois se nos dois terços iniciais há uma forte sensação de déja vù permeando a trama, a impressão é de se estar não diante de uma continuação, mas de uma requel, ou seja, sequel + remake (sequência + refilmagem): uma mistura dos dois. O apelo maior será entre os mais velhos na audiência, com uma tendência forte à nostalgia – há até a reprise de imagens e cenas do filme anterior, assim como se verificou em Matrix Resurrections (2021). Esse caminho, porém, é interrompido no terço final – felizmente – dando início a uma nova e muito positiva abordagem. Para tanto, é importante estar atento ao relacionamento entre Maverick e Rooster: este último é ninguém menos do que filho de Goose (Anthony Edwards), o co-piloto e melhor amigo de Cruise que foi morto em um acidente envolvendo os dois colegas – um evento pelo qual, por mais que tenha oficialmente sido eximido de responsabilidade, Maverick insiste em se culpar. E ele não está sozinho nesse sentimento: o garoto também coloca na sua conta a morte do pai. E não apenas isso, pois há outros segredos de família provocando rancores entre os dois. Quando, no entanto, se veem dependendo apenas um do outro para sobreviver, precisarão rever essas crenças e vontades, dando início a uma relação de confiança e parceria que eleva o conjunto a um patamar além das imagens icônicas de perseguições aéreas, comprovando que a diferença está mesmo naqueles sentados no cockpit.

Muitos atores de renome nos anos 1980, de Nicolas Cage a Tom Hanks, de Sean Penn a Robert Downey Jr., se recusaram a participar de Ases Indomáveis por não endossarem a visão militarista do longa em tempos de Guerra Fria. Por mais que esse aspecto, com o passar dos anos, tenha sido relegado a um segundo plano em nome de um sucesso tão arrebatador quanto inesperado, Top Gun: Maverick resgata esse viés, porém com a consciência que o novo século impõe. Assim, o todo se apresenta coeso, mostrando de uma vez por todas qual o objetivo dessa formação de pilotos de elite, mas também oferecendo uma oportunidade real de vê-los em ação, com toda a adrenalina e perigo que o exercício exige. Tom Cruise, como não poderia ser diferente, não desperdiça a oportunidade de mais uma vez estar na linha de frente, oferecendo um exemplo valioso aos novatos de como se faz um verdadeiro mito das telas. Seu carisma e energia seguem insuperáveis, mesmo frente a um grupo de jovens com a metade da sua idade. Porém, essa experiência não é ignorada, tanto pelo peso de suas escolhas, como também pelas opções que agora tem pela frente, sejam elas emocionais ou em relação ao seu futuro profissional. Maverick, portanto, pode fazer da crise o seu ponto de virada. Cruise, por outro lado, segue provando estar um passo adiante, e com todo o estilo que lhe é por direito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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