Crítica
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Sinopse
Criada por uma mãe solteira esquizofrênica, a história da vida de Petersen se desenrola em uma série de eventos desconcertantes e alucinados. Com uma mãe alimentada por alucinações de conspiração política e disfunção familiar, Petersen, de doze anos de idade, é levada a uma aventura de cross-country que alterará para sempre a família como eles a conhecem.
Crítica
Há algo de amador nesta animação em stop motion de Clyde Petersen, sintoma que vai além do traçado simples dos personagens ou da construção dos cenários. É como se uma criança extremamente criativa tivesse colocado tudo o que vem à cabeça sobre o papel e aquelas imagens ganhassem vida, o que torna a experiência de assistir a Torrey Pines, acima de tudo, acolhedora. Muito mais que um filme sobre a passagem de um menino preso no corpo de uma menina, é uma experiência singular de nostalgia, mesmo que o espectador não tenha vivido as situações expostas na tela. É o retrato de uma geração que cresceu entre os anos 80 e 90, e encontrou sua voz no mundo pop, especialmente quando a vida se resumia a casa e escola, com alguns pontos perdidos no bairro de moradia. É quase um Boyhood: Da Infância à Juventude (2013) às avessas, em que acompanhamos a evolução da sociedade norte-americana pelo olhar de um jovem que almeja, em primeiro lugar, se estabelecer como indivíduo.
Autobiográfico ao extremo, mas sem deixar de estabelecer um vínculo íntimo com o público, o filme acompanha a história real de Clyde, sequestrada pela mãe esquizofrênica numa viagem pelo sul da Califórnia. A então ainda garota se vê sozinha para ter suas próprias descobertas, seja do mundo ao redor ou de sua própria sexualidade e gênero. É o momento em que os telefones celulares começam a adentrar a vida da população, de início como grande esquisitice, para depois se tornar padrão irresistível a despeito de suas limitações. É a era da Guerra do Golfo, da família Bush no comando dos Estados Unidos, em dois momentos, com o intervalo de Bill Clinton. É o Crocodilo Dundee (1986) ainda como grande sucesso audiovisual e mítico, assim como a estreia de Star Trek: A Nova Geração (1987-1994) na televisão.
Em meio a tais episódios, belos ganchos de passagem de tempo, Clyde cresce não apenas como indivíduo, mas também como parte do coletivo em sociedade, sempre na explosão de criatividade oriunda de sua mente. Ver a mãe nua lhe faz pensar sobre a primeira menstruação e como, futuramente, seu corpo lhe diria ser preciso engravidar, amamentar e ter os seios caídos, ideia gráfica que gera risadas pela forma bizarra como é mostrada, mas que reflete a insatisfação com o próprio físico. O sucesso do cantor country Garth Brooks embala alguns desses momentos, assim como a gigante dos videogames Nintendo toma conta das mãos de seus fãs com controles a serem empunhados. Todos os detalhes visuais são esmiuçados numa técnica extremamente colorida e viva, mesmo que pareça uma grande colagem de figuras sobrepostas. São post-its de diversas cores e recortes de revistas numa arte em movimento que não se vê nas animações atuais para o grande público, mas que remetem ao que se estava acostumado a assistir na época retratada.
Não há falas em Torrey Pines. O máximo que se ouve são grunhidos, inclusive efeitos sonoros de uma pipoca estourando no microondas. A única palavra identificável é butt (bunda), o que remete diretamente à sexualidade de seu diretor. Porém, não é um uso ofensivo ou chocante. É um termo comum que se estabelece como elo chave na narrativa. Em pouco menos de uma hora de filme, Clyde mostra uma recriação inteligente de recursos audiovisuais para tornar o que poderia ser uma história simples de um transexual numa jornada fantástica, mas, acima de tudo, humana. É o rompimento do cordão umbilical ao perceber a esquizofrenia da mãe e sua libertação para um novo mundo sem precisar estar sob a saia de alguém. É a recriação de momentos icônicos da história do pop como um show da saudosa Whitney Houston. É a história de vida de uma garota que queria mostrar o seu menino interior. Assim, consegue ser o retrato sensível e delicado de muita gente do lado de cá da tela.
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