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Sinopse

Brea e John estão nas montanhas com amigos para um fim de semana romântico. Entretanto, acabam se deparando com uma gangue de motoqueiros. Sozinhos, precisam se defender do grupo, que não mede esforços para esconder seus segredos.

Crítica

Traffik: Liberdade Roubada aborda o tráfico de escravas sexuais, um tema espinhoso. Contudo, não há qualquer ímpeto de investigar, de fato, as esferas desse comércio ilegal e essencialmente desumano. Na verdade, estamos diante de um filme que utiliza tal dado apenas na tentativa de fornecer contornos singulares à violência que acaba com os instantes de alegria. A protagonista é Brea (Paula Patton), jornalista com o emprego em perigo após peitar o chefe que permite uma jogada eticamente questionável no jornal. Já nessa cena fica clara a mão pesada do diretor/roteirista Deon Taylor, por conta do diálogo pobre que reforça convenções como “a profissional ética versus o patrão pragmático” para desenhar a personalidade dessa mulher que se enerva no dia do aniversário. Mais tarde, seu dilema é a iminência da proposta de casamento que o namorado John (Omar Epps) fará. A aparente dúvida quanto a estar ou não preparada para o matrimônio é jogada como um elemento tolo.

A inconsistência dramatúrgica é ressaltada por uma encenação pretensamente solene, mas sem substância suficiente para dar conta das modulações dramáticas. A estrutura do roteiro instaura uma oscilação matematicamente calculada, com a felicidade preliminar logo sendo balançada por reveses ou uma brutalidade inesperada. Por exemplo, o “céu”, concebido pelo escritor/realizador como o fim de semana “perfeito” numa casa dos sonhos, em que provavelmente será montado o clima ideal para a proposição do enlace, logo ganha contornos de “inferno”. Esquematicamente, sempre que o tom do longa-metragem vai ser drasticamente alterado, há uma pequena tensão que o prenuncia. Nesse caso, a briga com o casal de amigos, cheia de revelações mesquinhas e gratuitas de um passado ignorado por alguém. O encontro com os motoqueiros no posto de gasolina, um pouco antes, já funciona como uma espécie de preparação do terreno, para que banalmente seja perceptível a proximidade de algo ruim.

O desenvolvimento de Traffik: Liberdade Roubada se torna absolutamente previsível, uma vez que essa disposição é percebida como uma dinâmica viciada. Quanto ao desejo de construir uma atmosfera de tensão, a produção falha ao apostar no excesso de artifícios tortos. Exemplo disso, o desenho de luzes na fumaça (de onde ela surgiu?), expediente cuja função é tentar agigantar simbolicamente a ameaça dos homens determinados atrás de um telefone incriminador. Da mesma forma, a perseguição pela floresta se ressente da falta de verossimilhança, justamente, pela forma dela ser iluminada, como se o espaço ermo fosse dotado de fontes cintilantes naturais. Nesse molho insosso e com gosto de comida requentada, há ainda as interpretações de qualidade contestável, ou mesmo a elaboração carregada de personagens arquetípicos, como o vilão Red (Luke Goss), o que fortalece o caráter postiço da narrativa. As fatalidades se sucedem sem realmente instaurar um clima de densa apreensão.

Ao longo do filme, diversos componentes são arremessados como provavelmente pertinentes ao todo. Todavia, a soma de suas irrelevâncias vai minando o conjunto. A conduta machista e impositiva do amigo Darren (Laz Alonso) é apenas uma muleta na busca por justificar sua prepotência diante de uma situação adversa; o faro jornalístico de Brea é conveniente para a resolução do imbróglio; a bondade de John é instrumentalizada como uma ferramenta para potencializar, adiante, a sensação de pesar. Traffik: Liberdade Roubada é fruto de uma fórmula prontamente exposta, o que torna sua trajetória engessada. Os personagens são destituídos de um estofo considerável. No meio de tudo isso, a discussão sobre o tráfico de mulheres surge ordinária, exatamente porque não há aprofundamento. Se Deon Taylor trocasse essa conjuntura por outra qualquer, faria pouca diferença. Seu filme bebe abertamente de uma tradição/clichê do cinema de ação – homens maus encurralam cidadãos de bem numa propriedade afastada –, porém, sem assumir a filiação, disfarçando o todo de denúncia social.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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