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Sinopse

Durante os anos 1990, os Autobots embarcam numa aventura global em que conhecem uma nova geração de Transformers, os Maximals. Eles se unem para defender a Terra de eventuais invasores e malfeitores.

Crítica

Transformers: O Despertar das Feras é a continuação do que a linguagem do marketing chamaria de “reposicionamento de marca” da Saga Transformers. Depois da Era Michael Bay (ainda que ele continue como produtor), caracterizada por filmes grandiloquentes que expandiam a cada nova aventura uma ideia central de grandiosidade insaciável, é a vez que algo aparentemente em menor escala. Pode parecer estranho definir como “menor escala” uma produção orçada em US$ 200 milhões com cenas enormes de batalhas entre Autobots, Maximals e os asseclas de Unicron, o maior vilão do universo Transformers. No entanto, se especialmente nos longas originais da saga a história era simplesmente um disfarce para justificar sequências pirotécnicas cada vez mais protagonistas, dessa vez, ao menos, há uma tentativa de oferecer o dado humano em troca do apelo nostálgico. O protagonista é Noah (Anthony Ramos), jovem ex-militar que tem dificuldades para encontrar emprego, o que lhe angustia particularmente tendo em vista a fragilidade da saúde do irmão mais novo por quem se sente financeiramente responsável. Justamente ao tomar uma atitude desesperada a fim de não sobrecarregar a mãe quanto ao sustento da família, ele acaba se deparando com um conflito maior. Está assim pavimentado o caminho à construção de um herói, relutante no início, mas logo digno dessa responsabilidade.

O diretor da vez é Steven Caple Jr., o mesmo de Creed II (2018) e que comandou dois episódios da série Grown-ish (2018-). Pode-se especular que sua missão principal é o desenho do aspecto humano e a elaboração dos dramas, mais do que necessariamente providenciar as cenas de ação – todas, claro, criadas em computação gráfica na pós-produção. Essa mão diretiva é perceptível na construção do universo cultural de Noah, especialmente na distribuição de elementos que ambientam de modo verossímil a história em 1994. O protagonista e seu irmão se tratam como Sonic e Tales, nomes de personagens de um famoso jogo de videogame bombado na época. Gameboys, camisetas com estampas dos Power Ranges e o ato de burlar o decodificador da TV à cabo para não ter de pagar a mensalidade (streaming era coisa de ficção científica nos anos 1990) são alguns dos vários componentes que sustentam essa boa caracterização. Noah provavelmente lutou na chamada Guerra do Golfo, com isso não sendo muito distante dos soldados que voltam ao lar sem tanta perspectiva da Guerra do Iraque. Mundos diferentes, mas conexões que infelizmente podemos fazer por conta das simetrias históricas. Porém, quem está lendo especialmente esse parágrafo pode achar que o novo Transformers mergulha fundo na dimensão dramática. Não é bem assim, tudo serve ao contexto de uma boa aventura escapista.

Ter um protagonista latino (e uma coadjuvante imediata negra), cuja ascendência é caribenha, é uma “bola dentro” de Transformers: O Despertar das Feras, ainda que isso não seja devidamente aproveitado pelo filme (um de seus grandes desperdícios, aliás). Noah, os Autobots e os Maximals têm em comum o desenraizamento. Infelizmente, Steven Caple Jr. também passa meio batido por essas sincronicidades um tanto óbvias, sequer as enfatizando para reforçar a emoção. O mais importante no novo capítulo da Saga Transformers é privilegiar a aventura, fazer da experiência uma grande roda gigante de altos e baixos que conquiste pela energia dinâmica de batalhas repletas de sacrifícios, heroísmos e movimentos previsíveis. Na trama, os Autobots se aliam aos Maximals (personagens da série animada Beast Wars, 1996) para evitar que Unicron, o devorador de planetas, faça da Terra a sua próxima refeição. Tudo o que você pode imaginar lendo essa premissa vai acontecer: Noah se alia aos extraterrestres do bem e, ao lado da espertíssima Elena (Dominique Fishback), será peça fundamental para salvar o mundo. As batalhas são resolvidas sempre do mesmo jeito: uma vez encurralados numa situação desfavorável, os mocinhos são salvos no último momento, os bons prevalecem sobre os malvados, isso em meio a mortes doídas e inevitáveis. Mesmo assim, o resultado é divertido.

Talvez o que ajude a explicar o saldo positivo, mesmo com ação genérica, desdobramentos previsíveis e falta de ênfase ao drama, é o compromisso nostálgico com aspectos práticos da aventura. Transformers: O Despertar das Feras tem coisas até meio ridículas – vide a versão do Homem de Ferro, com direito a imitação escancarada de uma pose do personagem da Marvel. Porém, não afronta a inteligência do espectador com mais do que pode oferecer. Trata-se de algo semelhante em tom à animação original, ou seja, de um esforço para entreter com histórias grandiosas e barulhentas protagonizadas por robôs guerreiros de outro planeta. Do ponto de vista do humor, destaque ao personagem Mirage (voz de Douglas Silva na dublagem brasileira), o Autobot mais descolado, carioquíssimo e com direito à pronúncia de gírias noventistas como “Uh Tererê”. A respeito das atuações, Anthony Ramos e Dominique Fishback têm pouco espaço para construir personagens em meio à pauleira, se destacando por conta da desenvoltura entre as cenas com um pouco de drama e as marcadas pela insaciável ação. Quanto às vozes originais, ficamos devendo a análise, pois a distribuidora mostrou à imprensa a versão dublada. O filme poderia ser melhor? Muito. Também poderia ser pior? Muito. Além de tudo, ele abre portas ao crossover com outra franquia famosa nos anos 1980/90. O futuro nos dirá como isso vai ser.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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