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Sinopse

Com a ajuda da esposa, uma ladrão bola um plano inusitado para poder roubar um banco. Eles montam um negócio de fachada ao lado da agência, a fim de pode escavar um túnel sem ser percebidos. Porém, a venda de biscoitos que eles fazem para esconder o crime se torna o maior sucesso da cidade.

Crítica

Desde sua premissa Trapaceiros se apresenta como um filme não só fácil de se gostar, como também um que carrega os elementos inusitados que costumam compor as melhores comédias de Woody Allen. Se analisado com alguma descontração, este título poderia ser muito bem uma continuação de Um Assaltante Bem Trapalhão (1969). Neste novo trabalho, embora o protagonista não seja Virgil – e convenhamos que este é apenas mais um papel em que Allen criou a oportunidade de interpretar sua própria persona – temos uma versão mais madura do mesmo na pele de Ray, um antigo ladrão que decide voltar da aposentadoria para assaltar um banco. Para isso, conta a com a ajuda da esposa e de seus comparsas: a ideia é abrir uma loja de biscoitos como fachada para poderem cavar um túnel no seu porão, que segundo o plano deveria sair no cofre de um banco na mesma rua. Porém, o que nenhum deles esperava era que os biscoitos de Frenchy (Tracey Ullman) se tornassem um sucesso.

Uma espécie de parnasiano moderno e cinematográfico, Allen tem não uma forma rigorosa em sua linguagem visual – como teriam exigido os membros da escola literária original – mas uma reincidente e sempre correta (o que é o bastante), que usa em um ponto ou outro para exercer a tal arte pela arte. Letrado e erudito, não é raro encontrar em suas obras referências e citações de livros, filmes e peças de arte importantes em geral. Isso quando não lida com obras mais humanas, como em Interiores (1978), o que, em última análise, diz muito sobre o autor/diretor. Não só a produção cultural lhe interessa, mas desbravar o cerne de quem a produz também, e deste ponto de vista é um realizador acima de tudo que preza pelo humano e por sua infinita gama de nuances. E não é por se tratar de uma comédia aqui que Allen afrouxa as responsabilidades que assumiu anteriormente para com o seu público.

Sim, Trapaceiros é um longa-metragem leve e pouco ambicioso, mas também o eram aquelas primeiras comédias que fizeram o nome do cineasta no início de sua carreira, e não por isso eram menos instigantes. É com essa energia angustiada que Allen sempre encarna os seus personagens, o que confere um timing cômico relativo para cada espectador, que pode encontrar uma piada quando conseguir entendê-las. Isso em mais um típico roteiro que aposta em uma trama inusitada para quebrar o gelo com o espectador. E é especialmente divertido, por exemplo, como ele e Frenchy surgem quase sempre vestidos com roupas extravagantes a partir de certo ponto da trama, brincando com a ideia de novos ricos que compram algo apenas por ser chamativo, o que se reflete no luxuoso apartamento dos dois, quase todo dourado e repleto de quinquilharias de decoração.

Ainda é curioso que desta vez Allen use da própria arte – e não através dela – para criticar um comportamento humano de que discorda. No caso, a associação de riqueza a conteúdo. Não só Frenchy e Ray são figuras com pouca bagagem erudita, mesmo depois de enriquecerem, como também o personagem de Hugh Grant. Perito em História da Arte e na apreciação de vinhos, este se mostra um canalha na primeira oportunidade. Através deste posicionamento, o cineasta infere que o conhecimento produzido pela nossa raça não se restringe apenas à nata socioeconômica, que talvez nem saiba apreciá-lo ou desfrutar dele corretamente.

Algo que mais tarde o diretor voltaria a abordar brevemente em um diálogo de Ponto Final: Match Point (2005): “outro dia tivemos até uma boa conversa sobre Dostoiévski” diz um senhor bem abastado sobre o personagem de Jonathan Rhys Meyers. Um filme aliás que, assim como Blue Jasmine (2013), vem provando que agora, já com a idade mais avançada, Woody Allen não tem mais o pique que ainda tinha uma década atrás para ser a alma de suas comédias, e que talvez residam nos dramas e nas discussões sóbrias a força de seus matutes sempre tão pertinentes. Mesmo quando se apresentam através de realizações descompromissadas como esta divertida obra que entrega com Trapaceiros.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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