Crítica
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Sinopse
Três Amigas conta as histórias de Joan, que não está mais apaixonada por Victor e sofre por se sentir desonesta com ele; de Alice, sua melhor amiga, que ela mesma não sente paixão por Eric, mas o relacionamento deles está indo maravilhosamente bem; e de Rebecca, a terceira amiga, que apesar das duas outras não saberem, está tendo um caso com Eric. Quando Joan finalmente decide deixar Victor e que ele desaparece, a vida delas e suas histórias viram de cabeça para baixo. Exibido no Festival de Veneza 2024.
Crítica
É possível – e até mesmo provável – que o leitor não tenha ouvido falar do Teste de Bechdel. Ainda que esteja em discussão desde meados dos anos 1980 (o nome é uma referência à cartunista norte-americana Alison Bechdel, e sua teoria foi exposta pela primeira vez em um dos seus quadrinhos datado de 1985), a lógica tem circulado com maior entusiasmo entre ativistas e um público antenado com causas e demandas que, por mais urgentes que se mostrem hoje em dia, há menos de uma década talvez nem fossem elaboradas com a mesma complexidade de agora. Enfim, o Teste de Bechdel é aplicado com maior frequência em obras de ficção – filmes, por exemplo – e questiona se as personagens femininas possuem função além de servirem como complementos aos homens. Ou seja, precisam possuir nomes próprios, identidades e motivações particulares. Um ponto crítico: precisam ter diálogos apenas entre elas sobre qualquer assunto que não envolva a participação masculina. E é por isso que Três Amigas se mostra um candidato a falhar nessa verificação, uma vez que suas protagonistas parecem existir basicamente em função dos seus parceiros amorosos. O que, obviamente, não deixa de ser uma frustração.
Apesar do título – o batismo brasileiro é uma tradução direta do original francês – os laços que envolvem o trio se mostram mais circunstanciais do que formados por situações de compreensão, entendimento e amizade de fato. As três, enfim, trabalham no mesmo lugar – são professoras – e, por se verem diariamente, a afinidade entre elas naturalmente surgiu. Mas será que essa mesma ligação resistiria longe deste cenário em comum? Por mais difícil que se mostre alcançar tal conclusão, a tendência indica uma resposta negativa, visto o que cada uma delas se mostra capaz de fazer às outras no decorrer dos acontecimentos deste filme escrito e dirigido por Emmanuel Mouret. Sim, a percepção é correta: trata-se de um realizador. No masculino.
Dois homens para uma mulher, duas mulheres para um homem. Esta é, de forma resumida, a estrutura percorrida durante o desenrolar dos eventos de Três Amigas. Alice, Rebecca e Joan estão sempre juntas, mas durante a maior parte do tempo – ou nos encontros que o condutor escolhe exibir ao espectador – estão falando sobre suas expectativas e desilusões amorosas. Joan (India Hair, de Na Vertical, 2016) não ama mais o marido. E não sabe explicar por qual motivo o sentimento que por anos nutriu por ele não mais existe. Considera Victor (Vincent Macaigne, ator-fetiche do cineasta) o companheiro ideal, mas apesar de estarem casados há anos, agora sequer consegue suportar seu toque, quanto mais seguir ao seu lado. A separação se mostra inevitável, e uma vez solteira, rapidamente se vê indecisa entre um candidato a novo namorado e o melhor amigo desse, por quem permite o surgimento de uma atração que lhe leva a tomar atitudes que até pouco tempo condenaria.
É uma situação distinta daquela vivida por aquelas que estão nos dois outros vértices de um triângulo na aparência feminista, mas no âmago fortemente atrelado aos anseios masculinos. Rebecca (Sara Forestier, tentando manter – sem muito sucesso – a postura frívola do trabalho que a revelou, a comédia romântica Os Nomes do Amor, 2010) está passando por um dos momentos mais excitantes de um relacionamento: o início de um novo amor. A questão, no entanto, é que se trata de um homem casado. E ela insiste em não revelar a identidade do amante às colegas, ambas casadas. Se já é sabido que Joan não está mais interessado no marido, não chega a ser um mistério descobrir que Rebecca está envolvida com o parceiro de Alice (Camille Cottin, da série Dez Por Cento, 2015-2020). Com qual das duas Eric (Grégoire Ludig, de A Garota no Armário, 2016) irá ficar?
Há um filme muito legal em Três Amigas. Mouret, no entanto, não está muito interessado nessa possibilidade. Responsável por títulos que invariavelmente discorriam sobre entrelaços românticos, como Crônica de uma Relação Passageira (2022) e A Arte de Amar (2011), ele dessa vez assume o risco de mudar seu ponto de vista – ao invés da primeira pessoa que lhe era mais comum, se esforça para se colocar no lugar destas mulheres – mas falha miseravelmente ao vê-las como não mais do que meras extensões de si mesmo. No final das contas, a performance mais tocante é mesmo a de Macaigne, tanto pela tragédia que lhe abate, como pela forma que encontra de seguir adiante, não apenas mantendo o sentimento que lhe é tão forte, como também aprendendo que, para que esse sobreviva, por vezes se faz necessário dele abrir mão. Um ensinamento que caberia mais ao cineasta, e menos aos seus personagens.
Filme visto durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2024
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