Crítica
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Sinopse
A história de boa parte dos países latino-americanos por meio das missões jesuíticas. Ruínas, pinturas e reminiscências repletas de mitologias.
Crítica
Mais do que uma fronteira territorial, Brasil, Argentina e Paraguai dividem as marcas de um passado histórico de colonização. Mesmo com suas particularidades – portuguesas do lado de cá e espanholas do lado de nossos vizinhos – tais processos colonizadores foram firmados sobre diversos aspectos comuns a todos, entre eles, a ação das missões jesuíticas, que durante os séculos XVI e XVII se impuseram sobre as civilizações indígenas, de origem Guarani, que habitavam a região. É justamente esse recorte histórico que Trinta Povos, documentário do diretor gaúcho Zeca Brito, busca investigar, abrindo sua projeção com imagens das Cataratas do Iguaçu, na Tríplice Fronteira, e trazendo as águas como símbolo maior da conexão entre esses povos, de uma identidade latina ancestral, que, de fato, se mostra muito mais viva nessa localidade específica do que os contextos gerais mais diversos dos três países deixam transparecer.
O fato de que, para muitos, essa conexão seja algo completamente distante, evidencia a necessidade da luta pela preservação histórica. Seja ela referente ao campo material, como mostram as ruínas das igrejas desses antigos povoados – apresentadas em belos planos aéreos feitos por drones – ou ao campo intelectual/cultural, nas memórias também em ruínas, apagadas ao longo dos séculos, dos descendentes Guaranis que batalham por esse propósito desde o início da intervenção invasora dos jesuítas. Deste último aspecto, Brito extrai boa parte das melhores passagens de seu trabalho, construindo um discurso mais contundente por meio dos depoimentos de figuras como o jovem cacique Ariel Ortega, que aborda o tema com muita eloquência, apontando suas complexidades, como a divisão dentro da própria etnia Guarani. Um conflito ideológico entre os catequizados, que aceitaram o aculturamento e seguem os preceitos católicos, e os que buscam manter as tradições, mesmo diante de todas as transformações da sociedade atual, os descendentes dos “Guaranis infiéis” – denominação utilizada pelos missionários – ou fugitivos, como Ortega os trata e nos quais o próprio se inclui.
Contudo, mais do que esse debate acerca do extermínio histórico-cultural e sobre a religiosidade – temática inevitável e que permeia toda a narrativa – o que parece realmente interessar a Brito são as formas de expressão artística dessa cultura miscigenada que ali surgia. Assim, a maioria dos capítulos nos quais se divide o longa é dedicada ao estudo dos legados arquitetônicos e pictóricos que compõem um movimento próprio, denominado pelos especialistas como barroco jesuítico-guarani, trazendo depoimentos de historiadores da arte que esmiúçam as ramificações dessa vertente latina do estilo que dominou a Europa pós-Renascentista. Uma vertente única – derivada da mescla da tentativa de emular o modelo europeu com as características próprias do olhar e da interpretação indígena – muito mais complexa do que pode aparentar à primeira vista, e muito menos valorizada do que deveria.
O vasto conteúdo é exposto de modo aprofundado, ainda que bastante didático, tendo como suporte visual a exploração de cada detalhe das esculturas e construções, que revelam a grande beleza e a riqueza de composição do barroco guarani. Esse registro mais solene, e mesmo sacro – pontuado pela trilha sonora – alterna entre planos mais esmerados, no enquadramento de entrevistados e cenários, e outros de câmera na mão com captação de imagem e som descuidados. Em meio a isso, Brito apresenta a tentativa de um retrato mais amplo do cotidiano dos povoados, para fugir de imagens que funcionem meramente como fotolegendas dos depoimentos. Nessa tentativa, o diretor consegue captar momentos de espontaneidade que possuem notáveis cargas simbólicas, como as imagens das crianças (brancas) em excursão escolar que “brincam de índio” com os souvenires – arcos e flechas – vendidos no museu, e que se contrapõem às cenas dos alunos indígenas de uma escola humilde que entoam uma canção tradicional guarani.
Há ainda um outro elemento abordado em Trinta Povos, em seus últimos capítulos, de cunho social, presente no paralelo traçado entre a coletividade idealizada pelos jesuítas – um sistema “proto-socialista” – e a realidade vivida no Paraguai dos dias de hoje pelos campesinos acampados nas estradas e nas ruas das cidades, como a capital, Assunção. Um tópico de claro interesse, mas que acaba ganhando um tratamento apenas superficial. Ainda assim, mesmo com sua estrutura e execução burocráticas, na maior parte do tempo, e certas irregularidades, o trabalho de Brito oferece um bom material informativo – o que soa como seu principal objetivo – lançando luz sobre esse legado cultural e a necessidade da união de forças dos povos latinos em prol da proteção do mesmo.
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