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Sinopse

Poppy e Tronco estão, enfim, namorando. Isso não significa, no entanto, que sabem tudo um sobre o outro. E a relação entre eles se transforma quando a garota descobre que ele fez parte da boyband favorita dela, BroZone. Ao lado de seus irmãos, o rapaz foi um fenômeno de popularidade. Porém, quando um antigos músicos é sequestrado por vilões, os demais terão que unir forças em uma jornada para resgatá-lo.

Crítica

Alguns filmes são feitos por causa de uma ideia que o roteirista teve, outros pela vontade de um diretor abordar um tema específico. Adaptações de outras mídias, como livros e peças de teatro, são corriqueiras, mas há fontes mais insuspeitas. Podem ser inspirados em videogames, parques de diversões e até mesmo bonecas infantis. Tudo parece ser válido em Hollywood, ainda mais se for para trabalhar dois conceitos seguidamente empregados até à exaustão: a nostalgia e o apelo de marcas consagradas. Pois essas parecem ser a forças por trás de Trolls 3: Juntos Novamente, cujo motivo para sua existência é ainda mais inesperado: a reunião de uma boyband há anos fora de atividade, mas que aqui encontrou a desculpa perfeita para tentar um retorno, por mais ensaiado e artificial que seja. Se os dois episódios anteriores – Trolls (2016) e Trolls 2 (2020) – já não tinham muito a dizer e suas performances foram aquém do esperado (o primeiro mal se pagou no mercado doméstico, enquanto que o segundo foi lançado no meio da pandemia, com passagem limitada pelos cinemas), o que esperar desse que serve mais como um “guia para grupo pop perfeito” do que estar preocupado em oferecer uma história minimamente interessante?

Ignorando principalmente características exploradas no longa original, dessa vez o cinzento Tronco (voz de Hugo Bonemer, na versão brasileira, e de Justin Timberlake, em inglês) deixa de ser resmungão e silencioso para revelar que, ainda na infância, teria feito parte de uma banda ao lado dos irmãos. Após uma crise entre eles, a BroZone deixa de existir e cada um dos membros resolve seguir seu caminho de forma independente, sem mais contato com os familiares. A situação muda, anos depois, quando o mais velho da turma, John Dory (o comediante Eric André) ressurge com um problema grave: Floyd (o cantor Troye Sivan) foi sequestrado por uma dupla de farsantes que querem sugar todo o seu talento para usá-lo em benefício próprio. A única maneira de salvá-lo é atingindo a “harmonia perfeita”, e essa só pode ser alcançada... através da voz de todos em conjunto! A partir desse ponto, o que se tem, portanto, é um filme de estrada, com Tronco e a namorada, a rainha Poppy (Julie, no Brasil, e Anna Kendrick, nos Estados Unidos), seguidos pelos irmãos que vão sendo incorporados um a um, reunidos em uma missão de resgate.

Os personagens mais interessantes de Trolls 3: Juntos Novamente, no entanto, não são os pequenos trolls, nem seus amigos – e pouco tempo atrás, inimigos – berguens (ogros horrorosos mas, pelo jeito, simpáticos, na mesma linha do Shrek), ou figuras recém-chegadas, como a irmã perdida de Poppy, Viva (Camila Cabello lá, Larissa Manoela aqui), que surgem apenas para pontuar a trama no seu desenrolar, porém sem agregar nada de relevante ao conjunto. Quem de fato se mostra digno de atenção são os irmãos Veludo e Cotelê (Amy Schumer e Andrew Rannells), uma alusão nem um pouco disfarçada à dupla Milli Vanilli, que no final dos anos 1980 escalaram rapidamente as paradas de sucessos e conquistaram fãs ao redor do mundo – e um Grammy – até serem desmascarados como farsantes, pois não cantavam, apenas dublando em suas apresentações. Entre os dois há um duelo entre ganância (a garota) e insegurança (o rapaz), entre ambição e imoralidade, que poderia ter sido melhor explorado. Não apenas para entender as motivações por trás de seus atos (do jeito que está, são pouco mais do que crianças mimadas e birrentas), mas também para fazer destes vilões seres mais universais e, assim, identificáveis pela audiência.

Bom, mas não é esse o interesse dos diretores Walt Dohrn e Tim Heitz. Os dois estão envolvidos com esse projeto desde o início da saga – Dohrn codirigiu os dois primeiros longas, e Heitz começou sua ligação com esse universo a partir do especial televisivo Trolls Holiday in Harmony (2021) – e há evidentes sinais de fadiga nessa nova abordagem, não apenas pelo uso de velhas fórmulas (como o espaço dado ao Troll Diamante e seu filho-bebê, uma piada reciclada) como também nas tentativas frustradas em gerar novas dinâmicas – os irmãos que reaparecem sem maiores explicações, as ameaças que rapidamente se mostram como parte da família etc. Há caminhos que chegam a ser desenhados e, caso houvesse tido a opção de percorrê-los, é possível que o resultado fosse mais excitante. O parque de horrores comandado por Viva, ou essa raça representada por Veludo e Cotelê, são alguns dos exemplos. Mas quando nem mesmo a relação entre os protagonistas parece ganhar espaço suficiente para atingir a complexidade vista em outras incursões, como esperar que tramas paralelas adquiram o profundidade merecida?

No final da corrida, quando mais nada se poderia esperar, é também quando o senso do ridículo é deixado de lado e o viés comercial da empreitada é assumido sem maiores constrangimentos. Assim, André, Sivan, Daveed Diggs e Kid Cudi – os dubladores dos irmãos desgarrados – são deixados de lado e substituídos por... Lance Bass, JC Chasez, Joey Fatone e Chris Kirkpatrick, os integrantes do *NSync ao lado de Justin Timberlake! Essa mudança não chega a ser justificada em cena (por qual razão apenas quatro deles são trocados, enquanto que Timberlake segue presente como Tronco?), abrindo espaço para o que de fato o filme quer vender: uma apresentação da nova música da banda, “Better Place”, a primeira desde 2001. O que se confirma, portanto, é que Trolls 3: Juntos Novamente não marca a reunião dos seres diminutos de cabelos espetados e coloridos, como o título poderia dar a entender, mas de uma boyband que até teve seu impacto no final do século passado, mas que há décadas estava esquecida – e assim deveria se manter. Mais do que um videoclipe e menos do que uma obra audiovisual de ficção, o que se tem é um grande comercial, uma peça de marketing cujas intenções publicitárias estão acima de qualquer apelo artístico. E engula essa anomalia quem quiser – e conseguir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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