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Sinopse

Na companhia de seus amigos cupins e tamanduá, o elefante Gajah vive muitas aventuras perseguindo um dirigível do qual caiu desmemoriado. Essa turminha animada terá de lutar contra um vilão misterioso e os efeitos da fama.

Crítica

Por pura desinformação, há quem diga que o Brasil não tem qualquer tradição no campo da animação. Talvez nosso país não possua um fluxo de produções semelhante ao das nações cinematograficamente dominantes (por questões mercadológicas), mas temos vasta história para contar nesse segmento. E, especialmente nos últimos anos, o panorama da animação brasileira tem apresentado diversas propostas, formatos, técnicas e resultados animadores (com o perdão do trocadilho). Dentro desse painel, uma das tendências mais chamativas é a boa profusão de séries nacionais ocupando as grades das emissoras de TV por assinatura e depois sendo transpostas aos cinemas. Peixonauta, Osmar: A Primeira Fatia do Pão de Forma, Historietas Assombradas (Para Crianças Malcriadas), Meu AmigãoZão e Os Under Undergrounds são alguns dos vários exemplos dessa efervescência que certamente situa o nosso país num lugar de destaque. Tromba Trem chega agora aos cinemas se juntando a esse grupo que felizmente não é tão seleto, pois cada vez mais abrangente e plural. O protagonista do longa-metragem é Gajah, o elefante amarelo que transita pelo Cerrado brazuca a bordo de um trem comandado por cupins. E o cenário fica ainda mais excêntrico por conta da melhor amiga tamanduá vegetariana (que, por isso, não pretende comer os insetos) e pela missão de perseguir um dirigível a fim de atender os anseios da rainha dos cupins.

E para você, caro leitor, que erroneamente associa cinema brasileiro à má qualidade técnica, fica um alerta: Tromba Trem não deve nada nesse quesito a filmes produzidos em nações com mais condições financeiras para transformar a animação numa indústria pujante. Por isso mesmo, ele é um exemplo de como nossa resistência se manifesta também em criatividade e qualidade, a despeito de um subdesenvolvimento agravado pela crise econômica e pelo descrédito do atual governo federal quanto aos mecanismos de fomento. A animação do consagrado Copa Stúdio dá conta do recado de contar essa história com fluidez visual e dinamismo. Por exemplo, são poucos os momentos em que num quadro amplo, repleto de personagens, boa parte deles fica imóvel. Há um cuidado com essa vivacidade que faz toda a diferença para o resultado, algo visto quando mesmo os coadjuvantes mais aparentemente insignificantes são dotados de ânimo. Então, para começo de conversa, vamos tratar de asfixiar o nosso complexo de vira-lata e celebrar as qualidades do cinema que estamos fazendo por aqui apesar do que os pesares ditam de modo opressor. Dirigida por Zé Brandão, a trama mistura bem subtextos e mensagens para os pequenos, dá suas piscadelas para o público adulto e lida de modo satisfatório com aspectos da diversidade brasileira, nesse itinerário contemplando sotaques e gírias.

Gajah é um elefante corajoso que não se lembra de como caiu do dirigível perseguido como obsessão pelos insetos – a rainha deles acha que o veículo aéreo é uma nave mãe que a levará de volta para um planeta dos cupins. Mas, para além dessa aventura movimentada e multicolorida, Tromba Trem traz como mensagem a necessidade de valorizar as amizades, mesmo contra os chamarizes do mundo das celebridades que se vende como um oásis no deserto. Há uma lição de moral depois de uma trajetória que envolve a fama repentina do elefante que “caiu” dançando na internet: a fama é efêmera, tende a cegar os inocentes para aquilo que é essencial, e o verdadeiro suporte está nas pessoas que amamos reciprocamente. E Zé Brandão conjuga bem as obviedades com algumas pequenas sutilezas, mesmo que no fim das contas crie um ambiente desfavorável para antagonismos. O resultado disso é que mesmos os vilões, como o macaco rosa e a gata viciada em ser celebridade, acabam se arrependendo repentinamente e abraçando com vigor essa vontade de serem acolhidos dentro de uma família. É perfeitamente possível que um elefante amarelo gigante, uma tamanduá vegetariana míope e um bando de cupins guiados pela ética ferroviária formem uma família coerente dentro da aceitação das suas particularidades. Está implícita essa quebra de um determinismo biológico.

Em meio a correrias, fugas e perseguições de começo, meio e fim relativamente previsíveis, Tromba Trem ainda sublinha alguns sotaques (alagoano e mineiro, mais frequentemente) para reforçar a ideia bem-vinda da harmonia entre os diferentes. O próprio tópico das armadilhas da celebridade é algo interessante dentro de uma produção voltada especialmente ao público infantil. A tecnologia não é demonizada, mas sim a busca infrutífera por troféus que perdem qualquer valor se para vencê-los fora preciso se afastar dos amigos e das demais pessoas queridas. Com alguns números musicais bem bonitinhos, o longa-metragem animado não se aprofunda em qualquer coisa, mantendo os assuntos na superfície enquanto se empenha em tornar a aventura movimentada e interessante. Mas, ainda assim, toca responsavelmente em coisas certamente presentes de modo precoce no cotidiano de boa parte de seu público-alvo. Desse jeito, mesmo que a função do cinema não seja pedagógica, há um ganho especialmente aos pequenos nesse quesito. No fim das contas, mesmo sabendo da verdade, o protagonista prefere agarrar as rédeas de sua própria vida e decidir com quem deseja viver, quem de fato é a sua família. E, nesse ínterim, sobressai a defesa de uma necessidade de deixar partirem os que amamos, algo essencial em outra belíssima animação, a cara e norte-americana Luca (2021).

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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