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Sinopse

Junto com a filha adolescente, Bridget precisa viajar até a casa da mãe, após ela acordar de madrugada e sair caminhando por uma tempestade de neve devido ao Alzheimer. Uma vez reunidos, Bridget ainda terá que lidar com o pai e com o irmão, enquanto discutem sobre colocar ou não a matriarca em uma casa de cuidados.

Crítica

O que acontece quando alguém se perde de si mesmo? As repercussões podem ser muitas. E se o cinema está acostumado a olhar com proximidade para aqueles que sofrem desse mal, o que dizer de todos os demais que estão ao redor destes? Pois essa parece ser a proposta de Tudo o Que Tivemos, estreia da diretora e roteirista Elizabeth Chomko. Conhecida até então como atriz coadjuvante de séries como O Mentalista (2014) e CSI: Investigação Criminal (2009), Chomko dá o passo mais ousado de sua carreira até o momento ao se focar na família Brickers. Não por acaso, trata-se de um relato baseado na história pessoal da realizadora. No entanto, por mais que insista em tratar a protagonista feminina como centro da trama, não é exatamente com ela que os maiores eventos se desenrolam. E essa posição de mera observadora acaba sendo transmitida também para a audiência, que permanece numa posição próxima, mas nunca o suficiente para merecer uma atenção mais detalhada.

Certa noite, Ruth (Blythe Danner) se levanta, com cuidado se arruma e vai para a rua, enfrentando a nevasca que cai pela cidade. O que se descobre depois é que ela sofre de Alzheimer, e por isso agiu sem se dar conta do que estava, de fato, fazendo. Quando o marido, Bert (Robert Forster), acorda, horas depois, e percebe o que aconteceu, sai imediatamente à sua procura, sem, no entanto, encontrá-la. O filho, Nicky (Michael Shannon), é chamado, e decide dividir o fardo com a irmã, Bridget (Hilary Swank). Acontece que essa mora do outro lado do país, e por isso se mantém razoavelmente distante destas questões cotidianas. No entanto, encontra nesse ‘grito de socorro’ o motivo que precisava para se afastar – do marido, de casa, do trabalho. Assim, com a filha (Taissa Farmiga) como companhia, embarca num avião e parte ao encontro dos familiares. Só não imaginava ser recebida por mais conflitos do que aqueles que estava tão disposta a deixar para trás.

E esse é o grande porém a respeito desse Tudo o Que Tivemos: ainda que seja a matriarca a portadora da doença, logo se percebe que ela é a personagem que menos interessa à cineasta. A identificação desta está em Bridget, e Swank se esforça para fazer dessa uma figura interessante. Porém, o resultado levanta questões que lembram de imediato o meme ‘white people problems’: é uma mulher com a vida perfeita, mas que, mesmo assim, está insatisfeita. Casou com o primeiro namorado, e com ele teve uma garota linda, que hoje estuda em uma importante universidade. Os pais vieram de condições humildes, mas com esforço e determinação não apenas construíram uma vida digna, como também proporcionaram o necessário para que ambos os filhos seguissem os seus caminhos. Já o irmão, ainda que tenha sofrido uma desilusão amorosa, hoje luta pelo seu sonho: é o orgulhoso proprietário de um bar badalado, inclusive premiado e reconhecido pelos frequentadores e concorrentes.

Chomko, ao invés de se debruçar sobre a situação de quem está partindo, assim como títulos muito mais poderosos, como Longe Dela (2007) ou Para Sempre Alice (2004), opta por se focar naqueles adjacentes. O marido/pai que se recusa a aceitar o inevitável e a tratar a companheira de tantos anos de modo diferente. O filho/irmão que não aguenta mais ter que lidar com a estagnação paterna e o desprezo por suas conquistas. A neta/filha que não sabe o que quer da vida e demonstra não aguentar as pressões familiares. E a filha/irmã/mãe – alter-ego da realizadora – que precisa descobrir como agir diante cada um desses dilemas, ao mesmo tempo em que busca um novo propósito para si. Como se um flerte com uma antiga paixão do colegial fosse resolver tudo que está fora do lugar num estalar de dedos.

Soluções simplistas como a acima citada permeiam a narrativa de Tudo o Que Tivemos. O drama destes personagens só não se torna ainda mais genérico graças ao esforço e comprometimento dos seus intérpretes. Duas vezes vencedora do Oscar, Hilary Swank mantém submersa a força bruta que lhe tornou conhecida para revelar um lado mais sensível e delicado. Os indicados ao Oscar Forster e Shannon entregam tipos interessantes, homens que precisam descobrir como enfrentar com a frágil masculinidade que dita a maior parte das suas reações. Farmiga é quase um adendo, uma presença agradável, mas com pouco em mãos para trabalhar. E Danner, por sua vez, mesmo lhe sendo oferecido menos do que mereceria, consegue brilhar a cada (raro) instante em que as atenções se voltam a ela. Elizabeth Chomko poderia ter como impulso falar de si e da sua realidade, mas o filme que entrega se mostra válido quase que exclusivamente pelos talentos reunidos. E é por eles, e nada mais, que o drama que enfrentam não deverá ser esquecido tão facilmente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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