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Sinopse

Um sargento do exército aposentado, um traficante, um policial e a esposa deste. Aparentemente, eles não possuem nada em comum, mas vão se unir em prol de um bem maior. Quando pessoas começam a utilizar explosivos para pescar na orla de Salvador, na Bahia, esse grupo fará de tudo para acabar com esse crime ambiental.

Crítica

Depois de trazer uma ilustradora como protagonista de seu longa de estreia, Nina (2004), e de realizar a adaptação do primeiro romance do cartunista Lourenço Mutarelli em O Cheiro do Ralo (2006), o cineasta Heitor Dhalia dá continuidade à ligação de sua obra com o universo dos quadrinhos em Tungstênio, baseado na cultuada graphic novel homônima do carioca Marcello Quintanilha. Roteirizada por Marçal Aquino, em sua terceira parceria com o diretor, ao lado de Fernando Bonassi e do próprio Quintanilha, a trama, ambientada em Salvador, se concentra no cotidiano de quatro personagens: Richard (Fabrício Boliveira), um policial linha dura, sua esposa Keira (Samira Carvalho), com quem mantém um relacionamento conflituoso, o jovem traficante Caju (Wesley Guimarães) e Seu Ney (José Dumont), um ex-sargento do exército. Todos tendo suas trajetórias entrelaçadas por um crime ambiental – que ocorre quando dois homens resolvem pescar utilizando explosivos.

Apesar de ter a capital baiana como cenário, Dhalia se apresenta contido na exploração dos espaços. São raros os planos abertos ou panorâmicas no longa, já que a câmera inquieta do diretor de fotografia Adolpho Veloso se mantém quase sempre próxima aos rostos e corpos dos atores, abusando dos contra-plongées e dos enquadramentos oblíquos. Essas escolhas acentuam a noção de desorientação e angústia dos personagens, criando também um clima mais claustrofóbico, que aproxima a paisagem da cidade litorânea aos espaços reduzidos que dominaram trabalhos anteriores do cineasta, como o apartamento de Nina ou a loja de penhores de O Cheiro do Ralo. A estilização do registro se completa com a paleta de cores saturadas e intensas – num contraponto às ilustrações em preto e branco da HQ original – e com os constantes freeze frames, que acabam emulando as características de um quadrinho.

É mesmo o aspecto estético que predomina no olhar lançado a esse recorte da realidade, visando a exposição de um microcosmos capaz de servir como reflexo de algo macro – seja no retrato social do Brasil contemporâneo ou no campo da investigação da moral humana. Uma função semelhante a do garimpo de ouro em Serra Pelada (2013), o projeto mais ambicioso de Dhalia, que se configurava numa representação da sociedade brasileira da década de 1980. Porém, assim como no longa anterior, aqui esse potencial nunca atinge sua plenitude. Por mais que a onipresente narração em off feita pelo ator Milhem Cortaz busque a contextualização ou tradução, muitas vezes desnecessária, de simbolismos e questões implícitas – como as relações de poder que surgem tanto dos sentimentos reprimidos do ex-militar quanto da conduta do policial – essa soa artificial, sem conseguir imprimir o peso que almeja.

O mesmo vale para o âmbito das relações pessoais – como aquela de dependência existente no casamento de Keira e Richard – e da construção psicológica dos personagens. Novamente, a narração serve para verbalizar aquilo que poderia ser transmitido organicamente através das imagens, explicando motivações e ações de tal maneira que essas figuras acabam não ganhando corpo, soando como arquétipos esvaziados, perdidos no intento de criação de uma narrativa vertiginosa e pulsante. Nesse caminho, o senso de urgência termina se confundindo com a pressa, com Dhalia oferecendo apenas fragmentos efêmeros de personalidades e arcos dramáticos, e fazendo também com que a potência alegórica de pequenos detalhes – como os da cena em que o povo se agrupa para acompanhar o embate entre Richard e os pescadores – seja dissolvida em meio ao frenesi visual.

A escassez de respiros para a reflexão e o estabelecimento da empatia com as figuras imperfeitas – visivelmente não desprovidas de complexidade, mas carentes de desenvolvimento – que protagonizam a história, prejudica também o trabalho do competente elenco. Boliveira, Dumont e Samira, embora capazes, ficam presos ao tom hiperbólico – da necessidade de estar em constante ponto de ebulição – que domina seus papéis. A exceção fica com o Caju de Wesley Guimarães, a quem é reservado o destaque no ato final, e talvez o único cujo retrato se desprenda da gravidade do instante presente para a projeção do futuro – nada animador, diga-se. Assim, mesmo se mantendo atrativo ao longo de seus pouco mais de 70 minutos de duração, Tungstênio apresenta um desnível entre a força estética e a do estudo de personagens – distante, por exemplo, de À Deriva (2009), provavelmente o mais equilibrado e bem resolvido trabalho de Dhalia – resultando num exercício estilístico que parece se encerrar nesse propósito, negligenciando parte das possibilidades de expansão oferecidas por sua fonte de inspiração.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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