Sinopse
Depois de achar que nunca mais se sentiria em família, um jovem morador de rua se junta a outros como ele que utilizam suas habilidades contra criminosos ricos.
Crítica
Adaptar Charles Dickens para o cinema não é tarefa para qualquer um, por mais que seja uma tentação difícil de resistir. O clássico autor inglês já foi levado para às telas por nomes conceituados, como Roman Polanski, Orson Welles e até Walt Disney (em quem você pensa que o Tio Patinhas foi inspirado?). Além de célebres, o que estes tinham em comum era talento para tanto, algo que parece faltar à Martin Owen. Em Twist, ele se apropria dos elementos mais básicos do romance Oliver Twist, porém os revira de tal forma que o resultado é quase irreconhecível. Seria muito bem-vinda, é claro, uma modernização contemporânea de um enredo que tem atravessado épocas e gerações. Porém, transformá-lo a ponto de desprezar suas mais destacadas características é quase uma afronta, justamente o que termina por se perceber nessa versão. É possível que tivesse mais a oferecer caso assumisse um ponto de vista completamente novo, deixando de lado esses laços que servem apenas para fortalecer uma comparação cujo único propósito é acentuar a disparidade da cópia em relação ao original.
Owen, cujos trabalhos anteriores incluem o thriller Assassinos Anônimos (2019), com Gary Oldman e Jessica Alba, e a comédia espacial Max Cloud (2020), com Scott Adkins, não é de todo equivocado, no entanto, em Twist. Para começar, faz uma aposta calculada ao escolher como protagonista o novato Rafferty Law – cujo maior crédito é ser filho do astro Jude Law. Não que o garoto não tenha a mesma presença em cena do pai – o que de fato não tem – mas está apenas começando, e para alguém tão cru, é perceptível sua segurança e carisma. Não será surpresa, portanto, se daqui a alguns anos alcançar um estrelato de semelhantes proporções ao desfrutado hoje pelo patriarca da família. Mas, como dito, isso é coisa para o futuro. E no hoje, tudo o que o rapaz tem a oferecer é uma figura agradável de se ver, mas não muito mais.
Law é Oliver Twist, conhecido nas ruas apenas pelo sobrenome. Foi sem um teto sobre a cabeça e sem dar satisfações aos outros que o garoto cresceu após ter ficado órfão. É quando um dos melhores pontos do filme se apresenta: para fugir do controle da polícia e demais autoridades, o menino se acostumou a andar por ambientes onde não era visto – ou seja, pelos telhados e terraços de casas e prédios de Londres. Além de ser um hábil praticante de parkour – ou seja, escalador de ambientes urbanos – também sabe desenhar e tem garantido sua sobrevivência graças à mão rápida que desenvolveu. Dons que despertam a atenção de Fagin (o grande Michael Caine, que desde o primeiro dia de filmagem deve ter se perguntado o que o levou a se envolver com um projeto tão equivocado). Esse comanda um grupo de rejeitados, ladrões de ocasião habituados a crimes ‘brandos’ (“o seguro vai cobrir, ninguém saiu ferido e sem prejuízos”, uma delas justifica).
Juntos, querem dar um golpe em um importante negociador de artes (o comediante David Walliams, aqui bem mais sério) que, no passado, teria aprontado contra Fagin. Ou seja, trata-se de uma vingança. E se filmes com tramas similares surgem aos borbotões quase como um subgênero à parte, o que não se compreende por aqui é como tais personagens foram tão mal harmonizados entre si. Twist logo se encanta pela enigmática Red (Sophie Simnett, de Daybreak, 2019) e Caine tem presença garantida como o velho mentor, mas Dodge (a cantora Rita Ora) e Batesy (Franz Drameh, de Magnatas do Crime, 2019) são não mais do que estereótipos que surgem para tapar furos deixados pelos demais (e o fato de ambos serem negros não contribui em nada para melhorar essa imagem). Nada é pior, no entanto, do que a vilã encarnada por Lena Headey, que faz de Sikes uma figura exagerada e histriônica, que na maioria das vezes age de forma quase aleatória e demasiadamente violenta, apenas porque parece ser o que dela se espera. Um festival de equívocos.
Oliver Twist foi adaptado pela primeira vez no cinema em 1906, em um curta curiosamente chamado A Modern Oliver Twist – ou seja, há mais de um século. Desde então, já foi até musical vencedor do Oscar (Oliver!, 1968) e animação da Disney (Oliver e sua Turma, 1988). Ou seja, para que mais uma abordagem fosse feita, era de se esperar algo minimamente diferenciado que justificasse o esforço. Em Twist – que também pode ser traduzido como Reviravolta – o realizador dá a entender que os muitos pulos dados pelos personagens, correrias desenfreadas a todo instante e dinâmicas que se alternam entre golpistas que enrolam uns aos outros deveriam ser suficientes, o que está longe de se verificar no conjunto. Cansativo, desnecessariamente confuso e muitas vezes redundante, tem-se uma adaptação que desperdiça os acertos que porventura registra ao acumulá-los em meio a tantos excessos que parecem ter como único propósito distrair a atenção da audiência do pouco que a trama tem a dizer.
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