
Sinopse
Em Último Alvo, Murtagh é um gângster que decide se redimir de seus pecados após descobrir uma doença terminal. Mas essa decisão tem um preço alto: antigos aliados e novos inimigos não estão prontos para deixá-lo ir sem um último acerto de contas. Em uma corrida contra o tempo, ele precisará enfrentar seu passado. Ação.
Crítica
Murtagh (Liam Neeson) é um homem cheio de pecados nas costas que decide se redimir após ser diagnosticado com uma doença agressiva com o potencial de o tornar obsoleto. O cinema já nos apresentou inúmeros filmes com personagens semelhantes, demonstrando com isso certa fascinação por esses sujeitos que tentam reparar seus erros antes que seja tarde demais. Claro, há uma ideia cristã por trás dessa jornada, afinal de contas o indivíduo arrependido pretende gastar seus últimos momentos para demonstrar que pode fazer algo de bom. Com qual intuito? Conseguir um lugar privilegiado no céu? Deixar uma imagem boa a despeito do comportamento reprovável até então? Último Alvo não é o tipo de filme interessado nas motivações e possíveis contradições dos seus personagens. Tampouco está disposto a construir consistentemente a caminhada um tanto cega rumo ao perdão, que pode ou não ser bem-sucedida, mas claramente tem como destino a tragédia. São muitos os pontos levantados depois que o protagonista descobre ter uma condição neurológica grave e progressiva que o leva a perder a memória. Sentindo os efeitos dessa situação, ele está sempre com um caderninho no qual anota coisas importantes que não pode esquecer. O desenvolvimento da trama é uma sucessão de episódios desperdiçados, de demonstrações superficiais sobre atitudes e gestos supostamente profundos.
Para começo de conversa, não é importante que Murtagh esteja perdendo a memória. Poucas de suas missões são minimamente comprometidas por ele não reconhecer alguém ou deixar de responder prontamente sobre algo do passado. O roteiro de Tony Gayton não é inteligente nesse sentido de utilizar as lacunas da memória como armadilhas e/ou elementos capazes de acentuar a vulnerabilidade do homem agressivo – assim negando a tensão entre força e fraqueza. Daria no mesmo o personagem de Liam Neeson ter qualquer outra condição terminal, pois a doença é estritamente utilizada como obstáculo intransponível que faz o gângster consertar algumas coisas que deixou estilhaçadas pelo caminho. Seguindo os clichês desse tipo de produção, o sujeito tem filhos que o odeiam por conta do abandono; é um solitário incorrigível que sente dificuldades para aceitar o amor da mulher que dele se aproxima; sabe que não conta com a benevolência do chefão para quem trabalha há mais de 30 anos; e, ainda por cima, se depara com uma possível missão heroica. O cineasta Hans Petter Moland (o mesmo de Vingança a Sangue-Frio, 2019), constrói essa via-crúcis de maneira burocrática, pulando de uma situação a outra sem elaborar bem detalhes, possíveis contradições e o sofrimento de um homem ensinado desde cedo que machos não devem ser vulneráveis. E isso vai esvaziando o longa de significados.
Último Alvo simplifica demais a caminhada de Murtagh rumo ao perdão, principalmente ao encurtar os trajetos emocionais que o fazem tomar decisões (de certa forma) contraditórias à sua personalidade antes da descoberta da doença. É de se imaginar que o protagonista nunca teve tanta sensibilidade diante do sofrimento alheio quanto ao testemunhar o tráfico de escravas sexuais do qual faz parte. Não há um interesse do filme pela virada de chave. Logo, a “missão” autoimposta de salvar a mulher obrigada a se prostituir fica praticamente sem importância, inclusive porque é mais uma entre tantas dinâmicas com funções semelhantes. Diferentemente do que acontece em Táxi Driver (1976), no qual salvar uma menina da prostituição é uma forma complexa de o protagonista tentar a remissão dos pecados por meio de um heroísmo sangrento, aqui se trata somente de outra penitência desenhada de maneira burocrática e sem espessura dramática. Toda a lenga-lenga de Murtagh tentando se reconciliar com a filha abandonada também poderia render algo muito mais interessante, inclusive porque o roteiro sugere a possibilidade de estabelecer uma relação simbólica disso com a paternidade do personagem de Ron Perlman – cujo filho é o patrãozinho sob os cuidados do protagonista. No entanto, essas simetrias são totalmente ignoradas em prol de um filme dramático pensado como se fosse ação.
Hans Petter Moland filma drama como se estivesse criando ação, a julgar pela composição das imagens, marcadas por uma ênfase meio distrativa nos perigos do gangsterismo à espreita. E, como ele não consegue estabelecer uma atmosfera de tensão permanente, é como se a imagem estivesse sempre em busca do melhor ângulo para um tiroteio ou ainda uma luta corporal enquanto tenta revelar as angústias do homem obrigado a rever pecados enquanto ainda tem acesso as suas memórias. Último Alvo tem alguns bons potenciais, mas acaba transformado em mais um longa-metragem no qual Liam Neeson faz caras/bocas e arrebenta quem é petulante o suficiente para o considerar ultrapassado. Outro problema da trama é o modo displicente de encenar momentos-chave, especialmente os dois em que o protagonista se volta contra velhos associados para finalmente fazer algo positivo. No enfrentamento do chefe capaz de o descartar sem culpa, é difícil de engolir que um homem tão importante no submundo seja vigiado somente por um guarda-costas. A incongruência está ali. Além disso, a cena é pobre visualmente, com um galpão sem personalidade sendo o quartel-general. Algo semelhante acontece quando Murtagh dá uma cartada para libertar as escravas sexuais. É novamente difícil comprar a ideia que um negócio vigiado possa ser desmantelado de maneira tão fácil. Pena que todos os potenciais são estragados por uma visão simplista que filma dramas como se a encomenda fosse ação barata.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Robledo Milani | 5 |
Francisco Carbone | 5 |
MÉDIA | 4.7 |
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