Crítica
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Sinopse
No final dos anos 1950, Rachel, uma simples funcionária, conhece Philippe, um jovem brilhante de uma família burguesa. Desta breve relação, nasce Chantal. Ele se recusa a casar com alguém fora de sua classe social e a mulher terá que criar a filha sozinha. Porém, uma batalha de mais de dez anos na justiça pode acabar com as vida das duas.
Crítica
Uma modesta datilógrafa, Rachel (Virginie Efira), conhece um jovem tradutor, Philippe (Niels Schneider), de família burguesa. Encantada pelo homem letrado que lhe abre as portas para um novo mundo, com seus versos e livros, ela logo se entrega a uma paixão tão pura quanto avassaladora. Esses minutos iniciais, com direito à cena do primeiro encontro em um baile, bem como o próprio título, levam a crer que Um Amor Impossível se trata de mais uma variação do romance de Romeu e Julieta, no qual alguma barreira aparentemente instransponível – neste caso, a hierarquia social – se impõe no caminho do casal apaixonado. Não demora muito, porém, para que o longa da diretora Catherine Corsini, baseado no romance homônimo de Christine Angot, subverta as expectativas. O romance é abalado, contudo, não por forças externas – como pelas famílias dos enamorados – mas pelo próprio Philippe, que afirma não ter interesse em se casar e perder sua liberdade para se dedicar a uma mulher “exigente”, inclusive no quesito sexual, como Rachel.
Tal posicionamento deixa transparecer, ainda que de modo não tão direto, a já citada questão social. Vide a sequência em que o rapaz questiona Rachel sobre uma possível herança que ela poderia receber de seu pai distante – pois este, afinal, é um judeu com contas bancárias no exterior. A ideia de manutenção do estado das coisas, de que pessoas de realidades distintas devem permanecer separadas, acaba se mostrando, ao final, o principal motivo pelo qual Philippe hesita em assumir a filha, Chantal, que tem com Rachel, dando origem ao conflito que se torna central na primeira parte da trama. Essa capacidade do longa de romper com as expectativas se mantém até seu desfecho, seja na maneira como desconstrói a imagem inicial dos personagens, especialmente a de Philippe, ou nas viradas narrativas, como a que ocorre na metade da projeção. Momento em que o foco muda completamente, passando do melodrama contido na esperança de Rachel em reatar o romance com Philippe ao conflito geracional ancorado na relação mãe/filha.
Essa mudança faz com que o fato de Chantal ser a narradora desde o princípio ganhe um significado maior, explorado com sensibilidade por Corsini. Acostumada a tratar das relações e do universo feminino – em trabalhos anteriores como Um Belo Verão (2016) – a diretora imprime um registro formalmente clássico, sempre elegante, porém sem muita personalidade. Muito mais do que na mise-en-scène ou no potencial alegórico, o trabalho de Corsini se sustenta na potência do texto e, principalmente, das atuações. Para seu bem, ela conta com um elenco bastante coeso, tendo como pilar a performance inspirada de Efira, que convence ao longo de toda a passagem do tempo, de mais de quatro décadas. Seja como a jovem apaixonada ou como a senhora sexagenária solitária – contando com a ajuda do bom trabalho de maquiagem.
Em uma composição delicada, a atriz consegue expor a dualidade da personagem: uma mulher forte, capaz de criar a filha sozinha, enfrentando os paradigmas relacionados às mães solteiras na sociedade dos anos 50 e 60, mas ao mesmo tempo submissa em certo nível, se deixando afetar pelo domínio exercido por Philippe, mesmo à distância. Seu sofrimento resignado faz com que os momentos pontuais em que desmorona emocionalmente, dando vazão aos sentimentos reprimidos, ganhem peso – como na sequência em que descobre sobre o casamento de Philippe. As intérpretes de Chantal em suas diferentes fases também merecem destaque, em especial a jovem Estelle Lescure, que vive a personagem na adolescência, período em que o longa se concentra, apresentando os embates gerados pela aproximação entre a garota e o pai. Mesmo que sua revelação principal perca um pouco do impacto pretendido, podendo ser antevista nas entrelinhas, este ato central é o que o trabalho de Corsini tem de mais pungente.
É justamente por conta dessa pujança, porém, que a queda no terceiro ato de Um Amor Possível se sente mais acentuada. Trazendo Chantal em sua fase adulta (vivida por Jehnny Beth, vocalista da banda Savages), a parte derradeira acumula uma série de acontecimentos e confrontos em um espaço de tempo curto, que torna seu desenvolvimento apressado, diluindo o potencial das situações. Somado a isso, Corsini ainda recorre a uma literalidade contrastante com a sutileza exibida até então, se excedendo na verbalização e no didatismo para apresentar a interpretação – carregada de um viés social, da questão do patriarcado - para as atitudes de Philippe em relação Rachel e Chantal. Ainda assim, tais inconsistências não esvaziam totalmente a força da representação dos laços entre mãe e filha, a relação primordial de sororidade, exposta por meio de uma jornada dolorosa de reconciliação.
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