Crítica


4

Leitores


6 votos 8

Onde Assistir

Sinopse

Disposta a passar os últimos momentos antes da formatura na companhia dos amigos de infância, Mabel fica furiosa com a chegada do inverno, que a obriga a viajar para uma estação de esqui no Chile. No país, ela encontra o amor.

Crítica

À primeira vista, Um Ano Inesquecível: Inverno é somente uma daquelas produções inofensivas, de história universal, com as quais podemos nos identificar facilmente. Afinal de contas, quem não teve medo ao sair da adolescência e entrar na vida adulta? Quem de nós nunca questionou a própria identidade, às vezes, sufocada por padrões e réguas absolutamente restritivos? No filme, Mabel (Maitê Padilha) acabou recentemente o ensino médio e prevê sua vida virando de cabeça para baixo. Além da iminência de ser adulta, ela imagina que a faculdade a distanciará das duas melhores amigas, numa dinâmica que remete à estrutura educacional dos Estados Unidos – esta que com frequência prevê deslocamentos enormes à ocupação de vagas em instituições distantes das cidades natais dos acadêmicos. São comuns em filmes adolescentes estadunidenses essa dor da separação pré-faculdade. Impedida pela família de fazer a viagem de formatura ao caloroso nordeste brasileiro, Mabel é arrastada ao Chile nevado. As simbologias são óbvias: a companhia das amigas seria calorosa, enquanto a da família anuncia dias gelados. Mas, a protagonista não imaginava encontrar pessoas acolhedoras que a ajudariam de modo determinante nesse limiar antes de finalmente se tornar mulher. Tudo muito previsível, fofinho e com certa dose de graça. No entanto, é preciso problematizar os aspectos da representação.

O grande tema de Um Ano Inesquecível: Inverno é a necessidade de autoaceitação. Mabel é a típica menina deslocada, somente confortável no seu grupo de amigas queridas, mas com sérias dificuldades para interagir em ambientes menos “seguros” e criar novos vínculos emocionais. O roteiro assinado por Ângela Fabri poderia desenvolver melhor essa inadequação, mas prefere a isso encarar a protagonista simplesmente como alguém prestes a aprender uma lição valiosa. As turbulências dela com a mãe, entre outras questões, são verbalizadas em momentos pontuais de crise que inevitavelmente precedem reconciliações redentoras. A implicância de Mabel com o instrutor de esqui Benjamin (Michel Joelsas) obviamente se transformará num amor daqueles que beneficiam os amantes mutuamente – aqui a cineasta Caroline Fioratti reforça que estudou direitinho a cartilha das comédias românticas norte-americanas. Em busca de histórias para escrever um conto que a credencie a conhecer seu ídolo literário, Mabel se depara com Benjamin e quatro amigos fazendo uma espécie de ritual. Infiltrada, ela quer descobrir o que significa aquilo, mas acaba se deparando com um significativo grupo de apoio. É na conexão como esse time de desajustados que mora o maior problema do longa-metragem. Numa trama sobre superação e aceitação, a diversidade é tratada como uma simples escada à menina Mabel.

Já se foi o tempo em que o espectador aceitava naturalmente produções apenas protagonizadas por homens e mulheres brancos pertencentes a ideias padronizadas de normatividade sexual. Aí, veio a era dos coadjuvantes diversos servindo como espelhos/escadas ao crescimento de personagens historicamente agraciados com o protagonismo. Atualmente, há demanda maior (ainda bem) por protagonismo diversificado efetivo. Portanto, Um Ano Inesquecível: Inverno assume postura anacrônica ao abordar a diversidade como mero suporte ao amadurecimento de uma menina branca, heterossexual e membro de uma família de classe média alta. Alguns leitores podem até pensar: “mas, é proibido/errado contar a história a partir dessa perspectiva, digamos, de uma privilegiada?”. Claro que não, mas é bom compreendermos que a trama baseada num conto da escritora Paula Pimenta utiliza a androginia de Glauco (Guilherme Terreri), a homossexualidade de Júlia (Larissa Murai), a fuga dos padrões estéticos de Renata (Catarina de Carvalho) e a negritude de Adriano (João Manoel) como exemplos inspiradores à Mabel. Essa postura se torna gritante quando percebemos que sobretudo Glauco e Adriano são coadjuvantes praticamente sem subjetividade, dois sujeitos quase surgindo na telona como entidades despersonalizadas que iluminam a protagonista com suas lutas pessoais e edificantes.

Dito isso, ainda que previsível, é bonitinho o trajeto de Mabel rumo ao amadurecimento que lhe possibilitará aceitar melhor as mudanças impostas pela vida. O romance entre ela e Benjamin é açucarado, do tipo gracioso que remete aos contos de fadas. O elenco está desempenhando bem seus respectivos papeis dentro dessa perspectiva romântica dos amores transformadores. Feitos os apartes positivos, é preciso continuar batendo na tecla do anacronismo da abordagem. É difícil atribuir graus de responsabilidades ao resultado antiquado de Um Ano Inesquecível: Inverno. Será que a direção de Caroline Fioratti teve espaço de manobra diante daquilo que o roteiro de Ângela Fabri apontou? Será que a adaptação também teve margem para subverter certas coisas do escrito original? Especulações à parte, escrever e dirigir são atitudes pelas quais as criadoras respondem efetivamente, então podemos dividir esse fardo entre quem adaptou e quem levou o texto resultante dessa operação às telonas. Muito em voga atualmente, a palavra empoderamento precisa ser encarada com mais seriedade. Claro que é lindo e inspirador ver uma menina orgulhosa de seu corpo divergente do padrão estético desfilando de cabeça erguida ou uma jovem tomando coragem de assumir a sua orientação sexual. Mas, entre a inspiração e o empoderamento há um abismo enorme. O filme oferece musas exemplares à Mabel, fazendo da diversidade um símbolo de coragem à menina que não faz parte de estratos sociais colocados em risco. Nessa história de superações, os desafios das minorias continuam sendo coadjuvantes.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Alysson Oliveira
6
MÉDIA
5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *