Crítica
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Sinopse
A ambiciosa Anna Julia odeia música. João Paulo é um jovem musicista que sonha em viver de sua arte. Mesmo que eles sejam aparentemente incompatíveis, o amor acontece. E o encontro se dá na icônica Avenida Paulista.
Crítica
Lázaro Ramos decidiu enfrentar dois desafios (no mínimo) quando aceitou o convite para dirigir Um Ano Inesquecível: Outono, adaptação do conto de Babi Dewet e segundo dos quatro longas que tiveram como inspiração o livro Um Ano Inesquecível (escrito em conjunto com outras três autoras). Primeiro, foi se apropriar de uma proposta mais leve e despretensiosa do que seu trabalho de estreia por trás das câmeras, o ambicioso Medida Provisória (2020). E depois havia também a tarefa de sair de uma suposta zona de conforto ao se aventurar por um gênero pouco explorado no cinema brasileiro: o musical. É provável que desde Maré: Nossa História de Amor (2007), de Lúcia Murat – e lá se vão quase duas décadas – nenhum outro título feito por aqui tenha combinado com tamanha eficiência não apenas um discurso inclusivo, representativo e diverso, mas também a fantasia e o romance característicos dessa ambientação. Continua sendo um Brasil de lidas árduas e enfrentamentos diários, mas propenso a um encantamento e a uma malemolência que caem sem pressa e com propriedade sobre um romance entre estranhos que, mesmo assim, estão fadados a se envolverem um com o outro. Previsível, sim. Mas, ainda assim, irresistível.
Anna Júlia (a atriz e cantora Gabz, de Me Sinto Bem Com Você, 2021) é uma jovem determinada: está comprometida com o estágio em um importante escritório de advocacia, se mostra focada nos estudos do último ano da faculdade e tudo o que mais ambiciona é oferecer uma vida melhor ao pai, Guilherme (o ótimo Bukassa Kabengele, quase numa participação especial, ainda que marcante), que se ocupa como motorista de aplicativo para completar a renda da casa. Os dois moram sozinhos após a mãe – e ex-esposa – tê-los deixado para partir “em busca do seu sonho”, como chega a afirmar. Vivida em cena – e com desenvoltura – pela estrela da música pop Iza, em sua estreia na ficção, Pattie é responsável pelo drama determinante ao desenvolvimento da filha enquanto uma mulher cheia de metas, porém poucos momentos de descanso ou prazer. A mais óbvia dessas consequências é que, por ter sido privada da convivência materna por essa ter se dedicado a uma vida artística atrás de um microfone, a garota desenvolveu uma aversão ao canto e à qualquer canção em geral. Uma vida sem distrações, portanto, é o que almeja para si.
O oposto do que busca João Paulo (Lucas Leto, de Vizinhos, 2022). Se ela é a Formiga, ele é a Cigarra. O rapaz dedica as suas forças a provar um talento como cantor e compositor, mesmo que nem sempre possa contar com o apoio necessário daqueles que estão por perto. Após perder a parceria dos colegas da banda da qual era vocalista, parte para o mais básico dos planos: com um violão no braço e coragem no rosto, passa a se apresentar nas ruas da capital paulista. É num desses cruzamentos que seu caminho encontrará o de Anna Júlia – ela, apressada em voltar para o trabalho com o café que a chefe lhe solicitou, ele, aproveitando o tempo livre para pensar num próximo projeto que possa mudar sua atual condição de quase abandono social. Se o nome dela é inspirado em um sucesso que está na ponta de língua de muita gente, se arrepia só de ouvir os primeiros acordes, e portanto mostra repulsa a qualquer aproximação mais melódica por parte do neo-galã. Mas ele não irá desistir tão fácil.
A dinâmica que se estabelece entre os dois protagonistas é a típica de qualquer comédia romântica que se preze. Ramos é eficiente não apenas na escolha dos seus intérpretes, mas também na elaboração de situações que os coloquem frente a frente, permitindo esse mergulho de um no outro, sem forçar coincidências apressadas ou engajamentos aleatórios. Ela não é musical como ele, mas também não se mostra infantil, e aos poucos deixará que essas barreiras venham abaixo. Da mesma forma, ele entende a distância que existe entre eles – não apenas de onde vieram, mas também para onde querem ir – e a cada nova técnica que estuda tratará de lidar não somente com os percalços dessas diferenças, mas também em potencializar os ganhos que porventura possam ser identificados. Essas ligações e afastamentos ganham leituras interessantes por meio de comentários musicais, em números que exploram tanto a poesia das situações enfrentadas, quanto os cenários de uma cidade que ganha cor e movimento através de um instante de sonho, quase uma ilusão que os retira da realidade e os aproxima de suas reais intenções.
Nem tudo são flores em Um Ano Inesquecível: Outono, no entanto. O mais evidente é a falta de conexão com o próprio título – se não fosse uma frase solta a esmo (“e dizem que nada de importante acontece no outono?”, reflete alguém ao acaso) – nada mais faria a conexão com a época do ano. Mas esse é um detalhe perto de elementos pouco explorados, como a relação complicada entre mãe e filha (vista mais como uma birra do que como um trauma a ser superado), o descaso com artistas de rua – (quase) tudo é por demais fantasioso entre as histórias enfrentadas por JP – e a trama paralela envolvendo a população desabrigada e a assistência de voluntários, que gera um desfecho por demais infantil. Tá certo que a estrutura assumida é a do conto de fadas, mas com tanto em cena remetendo a discussões pontuais e urgentes, um pouco mais de pé no chão poderia fazer a diferença. Independente disso, o que se vê é um romance entre opostos como muitos outros, mas dono de um charme próprio e atento ao mundo de hoje, ainda que não se agarre a discursos ativistas impositivos ou narrativas polêmicas. Um passo que pode parecer por demais discreto, mas sólido em intenções e conquistas.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
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