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Sinopse

Nascida no interior do estado de São Paulo, Célia Benelli Campello se tornou desde cedo uma celebridade local por suas participações no rádio. Mais tarde, ela se tornaria a grande Celly Campello, a precursora do rock no Brasil.

Crítica

Uma curiosidade: a canção “Broto Legal”, lançada em 1960 e um dos maiores sucessos de Celly Campelo, originalmente se refere a um rapaz. Diz a letra: “Olha que broto legal / Garoto fenomenal / Fez um sucesso total...”. No filme de Luís Alberto Pereira, no entanto, serve para batizar a jornada da própria cantora, que muito cedo se tornou conhecida no país todo, um fenômeno de vendas ainda na juventude, e com apenas vinte anos – de idade, não de carreira – abandonou os palcos e a vida artística para se aposentou. Um Broto Legal, como se percebe, engloba material suficiente para um bom novelão, abrangendo os altos e baixos da fama, o que a teria levado a tomar uma decisão tão radical no auge do seu estrelato e as repercussões de uma atitude como essa no meio artístico. Infelizmente, o diretor e também roteirista (ao lado de Dimas Oliveira Jr) não demonstra interesse por todos esses desdobramentos, revelando contentamento em apenas narrar os fatos citados da maneira mais convencional e comportada possível.

E isso que nenhum dos dois responsáveis pelo projeto são estranhos a esse tipo de narrativa. Pereira realizou no passado o premiado Hans Staden (1999), baseado em uma história real e que lhe rendeu, inclusive, uma indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro como Melhor Direção do ano, e a divertida comédia Tapete Vermelho (2005), com Matheus Nachtergaele, que se passava nos bastidores do início do showbiz nacional, sobre a saga de um caipira que sonhava em assistir no cinema a um filme de seu ídolo, Mazzaropi. Dois trabalhos que, de uma forma ou de outra, já dialogavam com esse universo. Oliveira Jr, no entanto, esteve ainda mais envolvido, pois não apenas escreveu e dirigiu o pouco visto Quero Dizer-te Adeus (2015), cinebiografia do ídolo musical Orlando Silva, como anos depois entregou o documentário Celly & Tony Campello: Os Brotos Legais (2019), que investigava a vida dos dois irmãos. É de se imaginar que tenha partido dessa pesquisa a inspiração para uma adaptação ficcional da mesma trajetória. O resultado, porém, é tão insípido e desprovido de personalidade que a conclusão mais provável é que talvez um pouco de distanciamento talvez tivesse permitido uma abordagem mais objetiva e menos distraída com tantos detalhes que pouco contribuem com o todo.

A história conta que Célia Campello Gomes, apesar de ter nascido na capital paulista, ainda pequena se mudou com a família para Taubaté, no interior do estado. Aos 5 anos encantava amigos e familiares em apresentações artísticas, e aos 12 estava apresentando seu próprio programa de rádio. Um Broto Legal escolhe outro ponto de partida, entretanto. As atenções, ao menos no início, estão voltadas ao irmão mais velho, Sergio. Segundo essa trama, era ele o rebelde, o inquieto, o provocador – e, por isso mesmo, o mais afeito a um novo gênero que estava recém dando seus primeiros passos no final dos anos 1950: o rock’n’roll. Após ser mandado para a cidade de São Paulo pelos pais para se ocupar com um “emprego de verdade” e não mais perder tempo “com esse negócio de música”, será lá, nas horas em que não estava preso a um escritório de contabilidade, que acabará fazendo contatos com empresários do ramo artístico e outros músicos. E virá dele, portanto, a oportunidade que apresentará a ela: quando chamado para gravar uma canção, os produtores concluem que falta uma voz feminina para acompanhá-lo. Eis, então, que lembra de convidar a irmã.

Está posto um problema grave a ser contornado: qualquer viés de iniciativa da menina é minimizado, como se tudo tivesse sido mérito quase que exclusivo do rapaz. Essa dinâmica encontra oposição no dueto estabelecido entre os pais: enquanto o pai se mostra complacente e até mesmo um pouco desinteressado, permitindo que os filhos façam o que mais lhes despertar interesse, será a mãe a intrometida, a reclamar de tudo, a não permitir a maioria das vontades e sugestões e a estar ao lado dos dois – principalmente da filha – em qualquer compromisso profissional. Essa vigilância um tanto extrema, aliás, será um dos raros empecilhos ao caminho de Celia e Sergio rumo à consagração. Outros poucos momentos de dúvida surgirão diante da escolha de novos – e mais comerciais – nomes artísticos (quando surgem Celly e Tony) e da pressão do namorado da garota, incomodado com o sucesso dela e suas constantes ausências. É de se imaginar que muito tenha sido debatido nessas interações – ele a querendo por perto, ela tentando tranquilizá-lo ao mesmo tempo em que perseguia suas aspirações musicais – mas, em cena, este debate se vê reduzido a uma simples manifestação dela ao futuro marido, que afirma: “você sempre será minha prioridade, tudo virá depois, inclusive meu trabalho como cantora”. Assim, mesmo quando assume publicamente o afastamento dos holofotes, esse é feito sem suspense ou tensão, mas como uma consequência lógica do que muito havia sido martelado até aquele momento.

Se a condução é morna e o roteiro se mostra incapaz de abrir mão de um ou outro momento menos relevante para realçar as passagens que de fato importaram na vida da homenageada, Um Broto Legal também tropeça na escolha do seu elenco. A jovem Marianna Alexandre, uma novata vinda de novelas bíblicas da Record, oferece uma composição monocórdia, perseguindo um mesmo tom do início ao fim, independente dos eventos com os quais a personagem se vê envolvida. Por sua vez, Murilo Armacollo, que marca presença como Tony e também é um estreante no cinema, parece estar em um comercial de enxaguante bucal, tamanho é o sorriso e a ausência de nuances em sua performance. O embaraço continua com os coadjuvantes, reunindo desde nomes que tiveram alguma repercussão há vinte ou trinta anos atrás – Petrônio Gontijo, Claudio Fontana, Felipe Folgosi (com um sotaque italiano constrangedor) – e outros que se mostram sem orientação em cena, como os pais interpretados por Paulo Goulart Filho (Ilha de Ferro, 2018) e Martha Meola (O Palhaço, 2011). Ambos tiveram atuações melhores no passado, mas aqui se mostram entre o exagero e a apatia. Havia, em algum lugar, um bom filme por aqui. E Celly Campello de fato o merecia. Pena não ser essa a obra que fará jus ao seu legado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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