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Sinopse

Uma viagem por 40 anos e três gerações de gente que fez cinema no Rio Grande do Sul. Um estudo a respeito de que tipo de filmes melhor simboliza os anseios dos porto-alegrenses ao longo das transformações da sociedade gaúcha.

Crítica

Trata-se de um recorte muito específico: o universo particular em que a produtora cinematográfica porto-alegrense Clube Silêncio ascendeu e declinou nos anos 2000. Mas para tal construção, Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre - fruto de uma tese acadêmica do diretor Boca Migotto - acaba, invariavelmente, dialogando com o pré e o pós-cinema feito no Rio Grande do Sul. E nessa aventura pelas últimas cinco décadas da Sétima Arte rio-grandense, o cineasta, que já havia se debruçado na arte urbana gaúcha com Filme sobre um Bom Fim (2015), suscita algumas interessantes questões, responde outras e constrói um agradável registro desse círculo.

De cara, a produção surte maior efeito comunicativo a partir de opções jornalísticas do realizador, dispensando aparências poéticas, performáticas ou reflexivas. Ao invés disso, profissionais e teóricos da cena em questão contam - com clareza, na maioria das vezes - as histórias que conceberam a identidade o audiovisual gaúcho. As “ferramentas” de trabalho colaboram, pois entre as diversas cabeças falantes estão muitos dos responsáveis pela constituição laboral desse microcosmo, como Carlos Gerbase, Jorge Furtado e Gustavo Spolidoro, por exemplo, além de inúmeros críticos e teóricos, como Enéas de Souza. Um a um, os entrevistados se sentam nas cadeiras do Bar Ossip, conhecido reduto de artistas da região boêmia de Porto Alegre.

A partir dessas contribuições, uma teia momentos importantes vai sendo tecida pelo diretor. Tudo começa com a turma da virada dos anos 1970 para os 1980, que concebeu Deu pra Ti Anos 70 (1981) e Verdes Anos (1984). Em seguida, apresenta o momento único de Ilha das Flores (1989), que catapultou a carreira de Jorge Furtado e a trajetória da Casa de Cinema de Porto Alegre. Chega ao objeto principal do estudo, a Clube Silêncio, motor de obras inovadoras como Cão Sem Dono (2006) e Ainda Orangotangos (2008), e ainda flerta com a safra dos anos 2010, que proporcionou títulos condecorados como Rifle (2014) e Tinta Bruta (2018). Essas exposições buscam a convergência de espectros bastante costumeiros no imaginário gaúcho, como a relação urbano/rural e afinidades culturais entre Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. Porém, essas conexões acabam se fixando num terreno lúdico, sem muitas pretensões de sofisticação. Apesar disso, embalam a estruturação dos temas.

Mas é difícil não localizar, do ponto de vista histórico, brechas que poderiam ter sido revistas, já que foi encontrado espaço para encadeamentos com o Cinema Novo e a Nouvelle Vague. Aberta a porta do “antes e depois”, talvez fosse coerente expor de forma mais concreta certas agendas que o filme desconsidera, tudo em favor do impulso ao recorte que teria feito o cinema gaúcho atingir o seu auge vanguardeiro. O dito “Cinema de Bombachas”, que iniciou a feitura cinematográfica no Estado com figuras como Teixeirinha; os épicos Anahy de las Misiones (1997) e Netto Perde Sua Alma (2001), projetos que furaram a bolha dos cinéfilos; o advento O Quatrilho (1995), apenas o segundo filme brasileiro a ser indicado ao Oscar e que fomenta debates acerca de seu “gauchismo”; e a animação gaúcha, reconhecida comumente pela figura de Otto Guerra, são alguns modelos rejeitados.

Não fossem determinadas preferências, que necessitam um aprofundamento maior dos aventureiros que caíram aqui de paraquedas, provavelmente Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre poderia ser considerada uma daquelas apostas definitivas, ou normativas, da compreensão dessa cinegrafia tão inquieta. Contudo, há referências suficientes para o espectador se sentir imerso e desenvolver suas próprias respostas para questões lançadas no longa. Tais como: “existe um 'cinema gaúcho', de fato"? Ou apenas um 'cinema brasileiro feito no Rio Grande do Sul'?”.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]
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