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Sinopse

Em Um Completo Desconhecido, o jovem músico Robert Allen Zimmerman (Timothée Chalamet) está em busca de seu lugar no cenário da música folk. Nos anos 1960, ao lançar o álbum The Freewheelin, de 1963, e participar do Newport Folk Festival, em 1965, ele muda a cultura pop de seu país para sempre e se torna um ícone internacional sob o codinome Bob Dylan.

Crítica

Talvez uma das figuras mais enigmáticas do cenário pop contemporâneo seja, de fato, o músico e compositor Bob Dylan. Avesso à superexposição que tem sido cada vez mais característica àqueles que frequentam com assiduidade os holofotes e manchetes de revistas e jornais, perfis de influenciadores e blogueiros, espaços de comentaristas respeitados ou meros fofoqueiros de plantão, ao mesmo tempo é incensado por obras e canções que conquistaram gerações. Por tudo isso, não chega a surpreender que uma cinebiografia que se dedique a essa figura receba o título de Um Completo Desconhecido. Não só pela ironia direta – como uma das pessoas mais famosas do planeta pode, ainda, ser um mistério para tantos? – como, claro, pela homenagem contida no uso de um verso de um dos seus maiores hinos. James Mangold, portanto, acerta de partida, e na maior parte do tempo se demonstra seguro, tendo diante de si um jogo ganho (ou, ao menos, seguramente acima da média). O bom resultado junto ao público e à crítica norte-americana atestam tal impressão. Mas seria o conjunto assim tão óbvio? Pelo sim e pelo não, há certas considerações que merecem reflexão.

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Há de se apontar os acertos do diretor e roteirista, que teve nesse projeto ao seu lado o co-roteirista Jay Cocks (habitual parceiro de Martin Scorsese, tendo sido indicado ao Oscar por seu trabalho em A Época da Inocência, 1994, e em Gangues de Nova York, 2003), ambos partindo do livro escrito por Elijah Wald. O que eles fazem encontra reflexo no dito que afirma que “sem saber que era impossível, foi lá e fez”. É mais ou menos a lógica perseguida pela dupla. Pois, de fato, não apenas se mostraria por demais enfadonho percorrer todas as conquistas e desencontros de uma vida tão rica e controversa, como também inevitavelmente encaminharia qualquer tentativa nessa direção a um excesso anestesiante, diminuindo os imensos – e inevitáveis – esforços envolvidos. Assim, é sábia a decisão em situar a narrativa apenas nos anos formativos do músico, por assim dizer. No início, Dylan é mais um garoto com um violão e um sonho. De um, ele não abrirá mão. Mas o problema começa quando decide alternar o instrumento com outras possibilidades.

Eis, enfim, a fragilidade de Um Completo Desconhecido: deixa-se de lado o estudo de uma personalidade, algo que merecia ser perseguido, mesmo que fosse destinado à frustração, e parte-se para uma discussão menor, ainda que não menos válida. Mangold e Cocks centram o clímax do filme que desenvolvem na escolha do músico em se recusar a ser limitado, ou seja, por mais grato que fosse por ter sido acolhido pelos mestres que antes dele vieram – como Pete Seeger ou Woody Guthrie – ele almejava ir além, não se bastando no folk e buscando outras experimentações. O uso da guitarra elétrica incomodou puristas, que rapidamente o condenaram, sem entender o espírito inquieto do artista. É provável que o espectador que o acompanha desde sempre, seja nos Estados Unidos ou mesmo no exterior, compreenda melhor as nuances dessa discussão. Mas a qualquer neófito recém-chegado, parecerá pouco diante do todo que poderia ter sido proposto.

Se compreender de onde veio e o que sempre motivou as realizações de Bob Dylan soava mais como uma tarefa da qual se poderia tocar apenas na superfície, o que é entregue em retorno não dá conta das expectativas levantadas. Por outro lado, há de se reconhecer o desempenho hipnotizante de Timothée Chalamet como o protagonista. O mergulho do ator é tamanho a ponto de deixar de lado muito do que lhe é próprio, soando mais preocupado em não mais do que reproduzir entonações e trejeitos, deixando uma ausência de espaços para criar um Dylan que lhe fosse próprio, e não igual a tantos outros que também tinham em mente apenas reproduzir aquilo que os fãs tanto conhecem e admiram (um filme como Não Estou Lá, 2007, é imprescindível nesse ponto, indo da autoralidade demonstrada por Heath Ledger ou Cate Blanchett, por exemplo, ao mesmo tempo em que sucumbe à caricatura imposta por Christian Bale). Chalamet não chega a tanto, mas é visível sua temeridade em não frustrar o que dele aqui se esperava. Com tanto em jogo, fugir do óbvio pode ser mais arriscado, mas com o talento que o ator obviamente possui, também poderia ter sido mais gratificante.

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Em determinado momento, Dylan e sua amante, a cantora Joan Baez (a revelação Monica Barbaro, de voz impressionante e olhar firme), estão no palco dividindo a mesma canção. Na plateia, a namorada dele, vivida por Elle Fanning, sem que nada lhe seja dito, percebe apenas pela interação dos dois tudo o que se passa entre eles. É o bastante para que se retire, deixando o caminho livre para ambos, não sem levar consigo a mágoa pela traição. Este é o mais singelo e tocante momento de Um Completo Desconhecido, uma passagem na qual muito é dito e quase nada necessita ser pronunciado. James Mangold está longe de ser um autor, mas sempre se mostrou competente com aquilo que se comprometia. Ele mais uma vez não decepciona, ao mesmo tempo em que se revela distante de qualquer arroubo criativo. Falta a ele essa segurança do que se tem diante de si, sem discursos, excessos ou maneirismos narrativos. Bob Dylan, certamente, merece mais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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