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Sinopse

Sem lei e proteção, as ruas e o submundo de Gotham são infestados por todo tipo de criminosos, incluindo O Ventríloquo e seu boneco, o tenebroso Scarface. Operando como líder de uma linha de produção de drogas, o vilão deseja despejar suas substâncias tóxicas nas esquinas da cidade, algo que o Batman, evidentemente, não vai permitir, custe o que custa, doa a quem doer.

Crítica

Batman é, sem sobra de dúvida, um dos heróis mais populares do mundo. Não apenas das histórias em quadrinhos ou do cinema, mas de toda a cultura pop. Por isso, não é estranho ver as mais diferentes versões e visões sobre o personagem. Na sétima arte, Tim Burton se valeu da sua própria assinatura, que potencializa o escracho dos vilões – Coringa no filme de 1989, Mulher Gato e Pinguim na sequência. Joel Schumacher buscou o cartunesco e tentou emular a série de sucesso estrelada por Adam West – errando feio. Lá nos anos 90, ainda, Bruce Timm revitalizou o personagem num seriado animado para os mais jovens – mas acabou conquistando boa parte dos adultos, também. Christopher Nolan buscou o realismo em sua trilogia dos anos 2000 – e acertou em cheio. Zack Snyder cambaleou nas sombras e ficou no meio do caminho. E essas são apenas algumas leituras do morcego de Gotham City. Qual poderia ser o ineditismo, então, que um brasileiro traria a esse personagem tão icônico? Ainda que com ressalvas, Elvis delBagno realizou o fanfilme Um Conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo com uma linguagem singular. E o fato de ter sido totalmente independente somente eleva o status da obra.

A trama é aparentemente simples: Batman/Bruce Wayne investiga o trabalho da máfia em um galpão de Gotham City. O Ventríloquo está ganhando bastante dinheiro alterando medicamentos de pacientes do Asilo Arkham. Porém, muito além de uma rápida abordagem para deter esse plano, o roteiro se detém nas psicologias do protagonista, do antagonista e até dos coadjuvantes. A maioria, capangas do criminoso. Uma ideia que não é ruim, mas que acaba por desviar o foco, diversas vezes, da trama principal. Especialmente da segunda parte em diante, quando o real e o imaginário começam a se mesclar, deixando o espectador confuso.

DelBagno gastou dinheiro do próprio bolso e teve ajuda da família para realizar o seu sonho. Um total de 80 mil reais, empregados tanto na produção quanto na divulgação no exterior, onde já levou alguns prêmios e concorreu a outros tanto pela ousadia. Os direitos autorais não foram problema, devido a alguns acordos feitos. Talvez porque o diretor soube respeitar a essência do personagem e levá-lo a uma atmosfera noir. Dos gangsteres à femme fatale, até a escolha da fotografia, extremamente sombria, mas com pontos de luz em eixos específicos para dar destaque aos personagens. Há pouco que se possa dizer sobre o filme nesses quesitos, que não deve em muita coisa a outras obras imensamente mais caras e lançadas comercialmente.

É um filme de experimentação, antes de qualquer coisa. Ser independente permite que o diretor crie sua visão do personagem mais amado da DC Comics. A linha narrativa, frequentemente, é preenchida por histórias curtas que não têm relação direta com o enredo principal. Porém, mesmo que algumas sejam descartáveis, elas servem para mostrar os vários lados do todo. Inclusive os capangas menores que estão ali apenas para servir de bucha de canhão. Lorenzo Martin, o intérprete de Bruce Wayne, pega o clássico cacoete da voz grossa quando o herói está mascarado e muda o timbre de cara limpa. Poderia ser falta de originalidade, tanto da atuação quanto da direção, mas é algo que acaba criando um elo com o espectador, que se sente mais confortável com o personagem conhecido. Por falar nisso, as atuações visivelmente estão livres da mão do autor, sem tanta naturalidade. Ainda assim, mesmo que algumas incomodem mais, elas se encaixam na proposta desse mundo propositalmente artificial.

O Batman aqui é aquele mesmo que todos conhecem: a alma atormentada pela morte de seus pais quando ainda criança. Alfred, o mordomo e consciência do herói, também está ali, ao lado de Wayne, para lhe dar alguma direção. É no paralelo de histórias marcadas por sangue, morte e traumas que os personagens desse longa se unem de alguma forma. Arnold Wesker, o alterego (ou dupla personalidade) do Ventríloquo, é outro que tem raízes na tragédia, na dor. Por isso também é sentida grande influência da obra de Alfred Hitchcock e seus duplos. Talvez, se o mestre do suspense estivesse vivo, não seria de estranhar um filme do Homem Morcego sob suas asas. Afinal, quem melhor soube lidar com o yin yang do ser humano na Era de Ouro de Hollywood, senão o cineasta inglês? Batman/Bruce Wayne parece ter sido concebido para passar pelas mãos de Hitchcock. Uma pena que em sua época pouca gente dava importância às HQs.

Porém, não é só na fonte de Hitchcock que delBagno parece beber. Seus planos e contraplanos têm um ar sofisticado que encontra ecos em Jean-Luc Godard, Stanley Kubrick e Ingmar Bergman. Há até certa dose de David Lynch. Os diálogos vão de Woody Allen a Quentin Tarantino. Fácil de entender, já que o diretor se formou em cinema em 2010 e suas referências explodem nos clássicos de grandes mestres. Não que ele tenha a pretensão de ser comparado a um desses nomes. Pelo contrário. Parece muito mais uma homenagem do que uma simples emulação ou ego inflado. Alguém que tem um faro para manejar a câmera e soube mesclar o melhor de cada um dos seus grandes favoritos.

É claro que nem tudo são flores. Além da já citada hipervalorização dos personagens secundários (alguns somem assim que sua história é contada, como o Homem Marlboro), a trilha sonora parece não se encaixar no clima noir estabelecido. Nunca é ruim ouvir Rolling Stones, Johnny Cash ou Raul Seixas, mas há uma sensação de deslocamento quando a música começa a tocar. A dispersão aumenta. Assim como algumas falas clichês ou atuações robóticas e extremamente teatrais. Algo que se acentua ainda mais quando Batman é esquecido em prol de algumas liberdades dramáticas que parecem alheias à trama, como o caso do Coveiro. Ainda assim, é uma obra bastante interessante pela ousadia de entregar uma visão tão pessoal (e, porque não dizer, brasileira) de um personagem tão estabelecido mundo afora. No todo, as falhas ficam em segundo plano, e Um Conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo realmente merece a espiada, como a de milhares que já assistiram esta história tão conhecida e inusitada na mesma medida.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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