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Sinopse

Sylvia e Jennie Likens são irmãs deixadas na casa de Gertrude Baniszweski por uma longa temporada, já que seus pais trabalham em um circo. Gertrude é uma mãe solteira com 7 crianças e que, devido a dificuldades financeiras, aceita cuidar das garotas. Só que ela não esperava o quanto presença delas afetaria sua natureza instável.

Crítica

Revoltante, incômodo, irritante, perturbador, assustador. Faltam adjetivos para descrever com fidelidade Um Crime Americano. E o pior: é inspirado num fato real! Este é um daqueles filmes que você sai da sala se perguntando “porque vim assistir a isso?”, mas ao mesmo tempo não consegue deixar de reconhecer todas as qualidades que a obra possui. É ruim, mas é ótimo.

É quase inacreditável que o diretor de Um Crime Americano seja Tommy O’Haver, realizador que veio do cinema independente e era meio que especialista no gênero comédia romântica: ele despontou com o gay O Beijo Hollywoodiano de Billy (1998), para depois cair no mainstream com Volta por Cima (2001), com Kirsten Dunst, e Ella Encantada (2004), com Anne Hathaway. E quando não se esperava mais nada, acreditando que já tinha sido engolido pelas engrenagens do cinemão norte-americano, ele surge com este verdadeiro soco no estômago, uma produção séria e dotada de um discurso econômico, que evita os excessos e vai direto ao ponto. Ficamos atordoados com o que é mostrado em cena, a ponto de virarmos o olhar para o lado, de tão aterrorizados. Mas o alerta é preciso e necessário, pois se está falando de algo real, que aconteceu, e que não pode se repetir. Não com o nosso consentimento.

Em 1965, os pais de Sylvia Likens (Elle Page, ainda antes da indicação ao Oscar por Juno, 2007) deixaram ela e a irmã menor com uma mãe solteira, praticamente uma desconhecida, por dois meses, enquanto trabalhavam em um circo. Gertrude Baniszweski (Catherine Keener, em grande desempenho) tinha seis filhos, e mal conseguia sobreviver com o pouco dinheiro que ganhava passando roupa pra fora – então, os 20 dólares semanais que iria receber para cuidar das outras duas meninas lhe cairiam bem. O que ninguém sabia era da instabilidade emocional de Gertie, sofrendo com a asma, com os ex-maridos, com os pseudo namorados, com todas aquelas crianças em sua casa. Ela vivia a base de remédios que escolhia aleatoriamente, já que não tinha como pagar um médico. Além disso, havia ainda a filha mais velha, envolvida com um homem casado, e provavelmente grávida. Aquilo tudo não estava fazendo nem um bem a ela. E teria que descontar em alguém.

Infelizmente, esse alguém foi a “estranha no ninho”: Sylvia. Para defender a irmãzinha, começou a servir como válvula de descarga de todas as desgraças da vida da Gertie. Os abusos começaram com uma surra de cinta. E depois só pioraram: queimaduras de cigarros, violações sexuais, espancamentos, dias trancadas no porão, surras, maltratos das mais diversas formas. E o pior: diante de todos os demais filhos, e até de alguns vizinhos, sem que ninguém fizesse nada contra. O diretor é sábio em manter em suspense o destino da menina até o final, usando os recursos fílmicos disponíveis para criar um desfecho agonizante. De qualquer outra forma o impacto da denúncia que estava fazendo seria menor, e isso teria que ser evitado. Tudo o que vemos poderia estar acontecendo na casa ao lado, e como reagir em uma situação assim? Esta é a pergunta que ele, ousadamente, faz ao espectador, obrigando a uma reflexão imediata e profunda.

Um Crime Americano trata, na verdade, de uma violência que é universal. O enredo lembra outro incidente revelado quase que simultaneamente, do monstro austríaco que prendeu a filha no porão e durante quase duas décadas abusou dela, engravidando-a diversas vezes sem ao menos permitir que ela visse a luz do dia. Da mesma forma, este absurdo é uma tragédia que choca e perturba, e não acontece somente devido ao distúrbio emocional de um, mas sim também por causa da cumplicidade de tantos, que preferem olha para o lado a se envolverem em algo que está acontecendo do outro lado da cerca. É um horror, mas incomoda tanto porque fala fundo dentro de nós. E justamente por isso é tão bom – porque provoca na medida certa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Matheus Bonez
8
MÉDIA
8

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