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Sinopse

Um casal passa por um daqueles momentos que parecem definidores em todo relacionamento. Enquanto tentam se encontrar enquanto par romântico, seus membros involuntariamente se envolvem no mistério de um assassinato.

Crítica

Volta e meia, o mesmo filme se repete. Talvez um dos mais marcantes desse subgênero seja Depois de Horas (1985), que mesmo sendo um dos longas mais subestimados de Martin Scorsese, lhe rendeu o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes. E o que acontecia na trama? Um casal – Griffin Dunne e Rosanna Arquette – passava por uma noite repleta de contratempos inesperados, indo do céu ao inferno enquanto tentavam se desvencilhar de diversas confusões e chegar até o dia seguinte vivos. Um dos primeiros a explorar o tema foi Forasteiros em Nova Iorque (1970), com Jack Lemmon e Sandy Dennis – que depois foi refilmado em Perdidos em Nova York (1999), com Steve Martin e Goldie Hawn – e recentemente vimos a mesma história – com pequenas variações – ser reencenada em Uma Noite Fora de Série (2010), com Steve Carell e Tina Fey. Ou seja, Um Crime Para Dois oferece absolutamente nada de novo a uma experiência que já está mais do que desgastada.

Aliás, talvez exista, sim, uma mudança em curso: o apelo à diversidade étnica. Pois se em todos os títulos citados acima o casal era defendido por homens e mulheres brancos, em Um Crime Para Dois estes personagens ficaram nas mãos de Kumail Nanjiani e de Issa Rae – ele um homem paquistanês, ela uma mulher negra. Tal alteração é tão mal explorada que rende apenas uma única piada – quando os dois são observados por um policial e, ao perceberem que se trata apenas de uma ronda de rotina, exclamam: “ufa, é apenas o racismo de sempre”. Em nenhum outro momento o tom de pele de ambos chega a ser mencionado. Se por um lado esse é um acerto – pois, afinal, trata com naturalidade a inserção de novas etnias – por outro esvazia o impacto que tal discussão poderia ter rendido.

No filme de Michael Showalter – o mesmo de Doentes de Amor (2017), que rendeu uma indicação ao Oscar para o roteiro escrito por Nanjiani – Jibran e Lailani (Rae) se conhecem, se apaixonam e, quatro anos depois, mal se aguentam mais. E tudo isso antes dos créditos de abertura. Apenas para deixar claro que se tratam de duas pessoas decididas a não mais permanecerem juntas, por mais que o passado que as uniu tenha sido belo (ainda que breve). Pois bem, estão no meio de uma discussão, rumo a uma festa de amigos, quando atropelam um ciclista. Ao tentarem ajudá-lo, o rapaz opta por sair correndo. Ainda sem entenderem o que aconteceu, um estranho surge (Paul Sparks, de House of Cards, 2015-2018) anunciando ser da polícia, e que o fugitivo é um ladrão que estava sendo perseguido por ele. Os três partem no encalço do outro e, quando o encontram, ao invés de prendê-lo, o desconhecido – que estava na condução do veículo – opta por atropelá-lo novamente. E de novo. E de novo. Até matá-lo de uma vez por todas.

Ou seja, não demora para que percebam que há algo de errado. Porém, ao invés de chamarem um policial de verdade, o casal decide fugir, com medo de ser confundido como cúmplice do assassinato. Este seria o momento de Nanjiani (conhecido por sua participação na série Silicon Valley, 2014-2019) e Rae (responsável por ter criado e estrelar a série Insecure, 2016-2020) brilharem. Mas isso está longe de acontecer. E por diversos motivos. Como os coadjuvantes que lhes são oferecidos, que vão desde figuras como Anna Camp (The Good Wife, 2011-2016) e Kyle Bornheimer (Avenue 5, 2020), ambos mal aproveitados – a sequência da ‘tortura com gordura de bacon’ é no mínimo constrangedora – ou como o jovem Moses Storm (This Is Us, 2018), que não consegue responder à altura durante a cena em que é interrogado pelos protagonistas. Ou as soluções que lhes são apresentadas – difícil dizer se é pior o encontro com o galã que consegue desvendar a senha de um celular bloqueado ou o clube secreto inspirado em De Olhos Bem Fechados (1999). Parece tudo feito às pressas, baseados mais no potencial que guardavam do que no que de fato poderia ser explorado.

E se Um Crime Para Dois ia de mal a pior, funcionando basicamente como uma série de gags e deixas aleatórias para forçar o carisma de Rae e Nanjiani, nem mesmo eles se mostram dispostos a tamanho esforço. Ela deixa claro não ter encontrado espaço para ir além da presença que lhe é confortável em Insecure, assim como ele também repete os mesmos maneirismos percebidos em seus trabalhos anteriores, num misto de fragilidade e patética sedução. Quanto ao enredo, ninguém duvida que tudo dará certo para eles – não há temor real de que algo possa sair errado – e se não passa de farsa e distração, o que em todo esse conjunto merece, enfim, ser digno de nota? Os motivos que os meteram nesse imbróglio são descartados facilmente, e no resumo tem-se apenas mais uma comédia romântica irrelevante, que sinaliza um final feliz, mas do tipo que qualquer um na audiência sabe bem que não durará nem mesmo até o café da manhã do dia seguinte.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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