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Sinopse

Peter está cansado de ser o único adulto solteiro nas festas de Natal. Pressionado pela família para encontrar um namorado, ele decide viajar à cidadezinha onde moram os pais, acompanhado de seu melhor amigo, Nick. Assim, pode apresentá-lo como namorado e corresponder às expectativas dos parentes. No entanto, quando os dois chegam, descobrem que a mãe marcou um encontro às cegas para Peter com um rapaz local. Além disso, Nick pode ter sentimentos reais pelo amigo.

Crítica

Imagine um mundo livre de homofobia. Este lugar é a pequena cidade fictícia onde se passa Um Crush para o Natal (2021). Quando Peter (Michael Urie) viaja para a casa dos pais durante as festas de fim de ano, ele é recebido com forte pressão para encontrar um namorado. O filme nunca trabalha a raiz desta obsessão doentia dos parentes, interpretada pelo roteiro enquanto gesto de amor: eles apenas desejam ver o rapaz feliz. Para o pai idoso, a mãe, a tia, a irmã, as sobrinhas, sobrinhos e cunhados, o fato de o produtor de eventos ser gay se torna insignificante. Nenhum parente conservador estraga a festa, nem sugere que a atração por homens possa significar "apenas uma fase”, ou a falta de encontrar a mulher perfeita. Todos são acolhedores, sorridentes, repletos de abraços, presentes e dicas amorosas ao querido tio/filho/irmão. O diretor Michael Mayer imagina uma sociedade contemporânea onde o mundo heterossexual se esforça para agradar os indivíduos gays, não o contrário: a mãe lê livros de autoajuda para acolher melhor seu filho LGBT, o pai banca o cupido pelos corredores, e o grupo trama em conjunto uma estratégia para casar o moço. Peter jamais será autônomo de fato, visto que sua vida íntima é controlada como um reality show pelos coadjuvantes. No entanto, sua sexualidade deixa de representar um motor de conflito para o roteiro.

Esta configuração social é idealizada, e ciente disso. Seguindo o funcionamento de inúmeros filmes de Natal, onde Papais Noéis aparecem, amores mágicos se formam e famílias separadas se reúnem, desta vez o milagre se encontra no acolhimento irrestrito do homem efeminado e do melhor amigo Nick (Philemon Chambers), o colega de quarto negro, igualmente adorado pelos personagens. Posto que essas figuras são divertidas, gentis e proativas, sem exceção, resta o único dilema da aproximação evidente entre a dupla central. Isso acontecerá, é claro, algo que está longe de constituir uma surpresa: a história se converte em mera preparação para o instante em que ficarão juntos. A sinopse promete esta união, assim como o cartaz, o trailer, o slogan e os primeiros minutos de filme. Embarca-se na aventura pelo prazer de encontrar o prometido: a concretização do amor perfeito e duradouro entre dois homens, dentro de um núcleo caloroso e receptivo, desprovido de problemas financeiros, divergências religiosas, homofobia, racismo ou qualquer outra manifestação negativa da contemporaneidade. Resta a impressão de que, quanto mais violento estiver nosso mundo raivoso e propenso ao retorno das extremas-direitas, mais sonhador precisa ser o antídoto destinado a provocar uma forma de alívio escapista.

Em sua profunda previsibilidade, Um Crush para o Natal oferece alguns elementos positivos que o destacam de diversas comédias envolvendo personagens homossexuais. Primeiro, evita-se a armadilha de converter os gays em motivo de risada: ri-se da tia extravagante (Jennifer Coolidge), da mãe atrapalhada (Kathy Najimi), das piadas da irmã (Jennifer Robertson), ao invés dos gestos ou trejeitos dos protagonistas. Segundo, apesar da romantização dos corpos musculosos destes homens, há espaço para imaginar a aceitação dos gays negros e brancos, de aparência máscula ou feminina — o que inclui a interessante participação de Luke Macfarlane, ator acostumado a dezenas de romances heterossexuais de Natal, no papel de um possível namorado. Há espaço evidente para melhorias — a sexualização atinge com maior intensidade o visitante negro, em relação aos colegas brancos —, porém imagina-se uma forma tímida de diversidade no interior do meio gay. Terceiro, o triângulo amoroso envolvendo James se rompe sem maniqueísmo: seria fácil para Peter desprezar um sujeito arrogante ou desinteressante. Ora, a narrativa imagina o encontro com um tipo afável e belo, sublinhando a aproximação final com Nick se concretiza por amor e afinidade, no lugar de mera atração física. O imaginário pejorativo de homens gays movidos a sexo e propensos às perversões se dilui em prol da conexão íntima e de um amor puro.

A estreia desta produção singela nos serviços de streaming possui um papel relevante: caso a mesma premissa fosse estrelada por um homem solteiro e sua melhor amiga, ela se perderia entre uma centena de comédias românticas semelhantes. Jovens gays crescem com pouquíssimas referências de relacionamentos LGBT bem-sucedidos no cinema comercial, sendo levados a acreditar que sua sexualidade seria clandestina, errada, pecaminosa. Ora, a possibilidade de representação despojada de beijos entre homens na rua, e dois rapazes andando de mãos dadas, carrega um valor simbólico maior do que os espectadores heterossexuais poderiam imaginar. Projetos como este, ainda que de relevância estética limitada, começam a elaborar a ideia de que a felicidade de indivíduos gays seria tão possível e legítima quanto aquela de pessoas heterossexuais. Em paralelo, defendem que cidadãos LGBTQIA+ possuem direito idêntico de manifestar seu carinho, a exemplo e qualquer casal formado por um homem e uma mulher. Aos poucos, afasta-se a noção de que a homoafetividade seria: 1. Proibida, 2. Errada, 3. Inferior ao afeto hétero, 4. Tolerável, contanto que “discreta" e “entre quatro paredes”. Obras queer radicais, dotadas de discursos de afrontamento, ocupam um papel fundamental no histórico de resistência de povos marginalizados. Entretanto, a inserção gradual de discursos leves desempenha uma função complementar. Talvez a visão dois homens juntos não seja tão monstruosa quanto pregam as vozes reacionárias — neste filme, é difícil conceber uma conexão mais simples do que a paixão entre Peter e Nick.

No elenco, Michael Urie se revela uma ótima escolha para o papel principal, no sentido de representar o “homem médio” — nem belo, nem feio; nem particularmente competente no trabalho, e tampouco um filho perfeito. Face a ele, Philemon Chambers possui desenvoltura restrita: nas três oportunidades para demonstrar relevo dramático, ele oferece uma expressividade limitada, soando mais confortável em poses e ensaios fotográficos do que na composição psicológica de Nick. Kathy Najimi e Jennifer Coolidge oferecem as presenças seguras e confortáveis que se passou a associar às suas personas em comédias populares — aliás, esta última encarna a imagem do gay caricatural e da “diva" melhor do que qualquer jovem homossexual em cena. O elenco transparece a preocupação parcialmente dividida do diretor, entre a qualidade do jogo cênico e a plasticidade, no sentido de ter rostos atraentes, músculos perfeitos, belos sorrisos. O discurso se encerra com um apelo à aceitação geral das pessoas, do jeito que forem: a tia que sempre oferece presentes entediantes continua entregando as mesmas placas com piadinhas infames; o instrutor de esqui segue em seu pequeno mundo de ambições profissionais limitadas; a tia histriônica ainda rouba a festa. Enquanto isso, acredita-se que dois homens possam se amar profundamente, abraçando a utopia do “felizes para sempre” reservada, até então, exclusivamente aos heterossexuais. Não é pouca coisa.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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