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Crítica


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Sinopse

Anna é mãe de três filhos, casada e trabalhadora. Sempre correndo contra o tempo para conseguir cumprir todos os seus prazos e promessas, sente que seu casamento está desmoronando. Sem conseguir conciliar tudo, prevê o que está prestes a acontecer, sem poder fazer nada a respeito.

Crítica

Um Dia é protagonizado por Anna (Zsófia Szamosi), mulher com a qual muitas hão de se identificar. Ela possui uma rotina repleta de afazeres, especialmente os relacionados às atividades dos três filhos. Não bastasse todos os horários a cumprir, os caminhos a percorrer entre escolas e aulas complementares, ela tem de lidar com o possível desmoronamento do casamento, uma vez que seu marido está envolvido com outrem. A economia da encenação construída pela cineasta Zsófia Szilágyi sobressai desde o princípio, na cena insólita e constrangedora com a esposa e a amante. Sem rompantes, tampouco histrionismos, fica fácil compreender a personalidade da mãe que internaliza boa parte de suas angústias, poucas vezes se abrindo para torna-las conhecidas pelos interlocutores. A narrativa acompanha um cotidiano sem tantas novidades, nem eventos determinantes, excepcionais ou o que os valha. A imperativa necessidade de seguir adiante fala mais alto.

Destaque de Um Dia, a concepção rígida de Zsófia Szamosi de uma personagem com evidentes dificuldades para encarar vicissitudes. Embora seja pragmática, e que, enquanto mãe, apresente diligência exemplar, ela acaba protelando certos consertos. No plano literal, o pouco esforço para reparar a torneira da cozinha que não funciona direito. No sentido metafórico, a incapacidade de sentar com o companheiro e expressar-se claramente. No único instante em que verbaliza incômodo quanto às decisões dele, as palavras saem truncadas, sem força suficiente para gerar impacto e persuadir. No mais, seguimos Anna em trâmites banais, como buscar os rebentos num lugar e levar a outro, ter conversas ordinárias com pessoas aleatórias, resolver problemas aparentemente insignificantes. A falta de sinais claros de sua personalidade, bem como dos dilemas enfrentados quase em silêncio, tornam o longa-metragem um tanto maçante, refém de migalhas oferecidas nas entrelinhas.

Um indício da centralidade feminina é o fato do marido, vivido por Leó Füredi, ser praticamente ausente, embora fique clara a vontade da realizadora de não tipifica-lo. Para isso, aliás, evita desenha-lo como homem que deixa à cônjuge todas as obrigações relativas ao dia a dia dos filhos. Ele demonstra zelo em circunstâncias pontuais. Mas, no que tange à dinâmica do casal, o sujeito se ausenta, mantendo uma distância que tampouco é estudada pelo filme como sintoma ou decorrência de algo. Um Dia se foca totalmente nos acontecimentos das 24 horas que separam o colóquio embaraçoso das mulheres em situações distintas e o encontro que pode redefinir a ciranda sentimental. Mesmo ao destilar ressentimentos, bem como frustrações e desagravos, Anna o faz sem levantar a voz, como se estivesse anestesiada pelo acúmulo de responsabilidades e o turbilhão de sentimentos. A câmera investiga respeitosamente o seu sofrimento, não devassando sua intimidade.

Um Dia possui desenvolvimento caudaloso, partindo de uma estrutura que refuta a progressão em três atos bem definidos. A observação dos hábitos de Anna é temperada pela conjuntura afetiva que tange ao seu casamento. Com uma pegada naturalista, a cineasta Zsófia Szilágyi demonstra, também, a angústia que decorre da, no caso, inevitável impotência feminina. A protagonista sabe de antemão que pouco pode fazer para ajeitar rumos e evitar obstáculos. De alguma maneira, a fim de compensar a imprevisibilidade, se encarrega com tanto afinco dos hábitos filiais. A investigação dessa personalidade que não se entrega facilmente às nossas leituras ocorre paulatinamente, com vagar. Não incorre em ocasiões deflagradoras, apostando nos pequenos deslizes que denunciam os verdadeiros estados de espírito. A despeito do ritmo combalido, justamente, pela ausência de modulações, fruto de uma linearidade emocional ferrenha, consegue mostrar um percurso dramático doloroso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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