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Crítica


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Sinopse

Em agosto de 1972, um assalto em um banco no Brooklyn chama a atenção da mídia e transforma-se em um show com uma enorme audiência. Era um roubo que teoricamente duraria apenas dez minutos, mas após várias horas os assaltantes, Sonny e Sal, ainda estão com reféns. Enquanto tudo se desenrola a multidão apóia e aplaude as declarações de Sonny e fica contrária ao comportamento da polícia.

Crítica

Depois de uma excelente dobradinha entre Sidney Lumet e Al Pacino em Serpico (1973), diretor e ator resolveram repetir a boa experiência dois anos depois em Um Dia de Cão. Novamente transportando para a telona uma história real, Pacino teve um papel importantíssimo no sucesso do longa-metragem, criando muitas das passagens memoráveis que vemos no filme. Diferente do que usualmente fazia, Lumet permitiu aos atores improvisarem em cima do roteiro, pensando ser a melhor maneira de capturar performances naturalistas condizentes com o teor da história. O resultado disso é um excelente filme de assalto, com toques cômicos hilários e personagens muito bem desenvolvidos.

O roteiro escrito por Frank Pierson foi baseado em artigos escritos por P.F. Kluge e Thomas Moore. Sonny (Pacino) e seu amigo Sal (John Cazale) pretendiam realizar um assalto a banco de forma rápida, sem vítimas e totalmente abaixo do radar. Mas o que deveria ser um trabalho fácil e indolor acaba virando um circo, com câmeras de tevê por todos os lados, cerco policial e uma turba de curiosos à espera dos desdobramentos do furado plano dos bandidos. Com nove reféns e sem nenhuma experiência no mundo do crime, Sonny e Sal tentam sair dessa enrascada – e com o dinheiro, pelos motivos menos óbvios.

Como dito anteriormente, Lumet não era conhecido por utilizar improvisações em seus filmes, por isso chega a ser surpreendente o uso em Um Dia de Cão. Mais uma prova de como o diretor podia soterrar qualquer característica autoral para o bem da produção em questão. Mesmo assim, ainda podemos notar uma marca que está presente em vários de seus filmes: a montagem inicial, retratando as ruas de Nova York. Em Um Dia de Cão, Lumet chega ao cúmulo de não incluir os créditos logo de começo, deixando sua câmera passear pelos habitantes da cidade como se dissesse: “não quero que vocês desviem sua atuação das imagens para ler qualquer nome na tela”. Depois de dois minutos de Elton John, com Amoreena, e imagens de Nova York, o primeiro crédito aparece e, logo mais, encontramos Sonny e Sal no carro, em frente ao banco, e descobrimos que a música incidental estava, na verdade, saindo do rádio do veículo dos bandidos.

Depois dos créditos iniciais, Lumet não demora nada para colocar a trama em movimento. Da mesma forma, o espectador não leva muito tempo para perceber que os dois assaltantes responsáveis pelo plano são totalmente despreparados para tal feito. Principalmente Sonny, o cabeça da dupla. Demonstrando nervosismo exacerbado e uma total falta de voz de comando para com seus reféns, Sonny é um arremedo de ladrão. Na verdade, o rapaz estava desesperado pelo dinheiro e, como já trabalhou em bancos, pensou ser uma boa ideia conseguir rapidamente a quantia que precisava usando deste expediente. Claro que Sonny não contava com o circo armado e nem com a informação fria que havia recebido. Em vez de encontrar milhares de dólares no cofre, uma quantia irrisória estava à espera da dupla. E com isso, o desespero dos assaltantes apenas cresceu.

Al Pacino está perfeito como o ladrão sem jeito. Sua falta de experiência o leva a deixar que os reféns tomem conta de várias situações e suas negociações com a polícia são totalmente amadoras. Os trejeitos de Pacino, atrelados a sua forma de falar e sua presença em cena estão absolutamente impecáveis. Se em Serpico, ele provava ser um excelente ator em uma atuação irretocável, em Um Dia de Cão, Pacino galga ainda mais um degrau, capturando a essência do personagem o bastante até para criar cenas memoráveis. Quem não lembra dos gritos de Attica! em frente ao banco? Criação do ator em cena.

Enquanto isso, John Cazale faz uma ótima parceria com Pacino, interpretando o zumbiesco Sal. Dono de uma calma sem tamanho, muito próxima da agressividade contida, o personagem de Cazale serve, em alguns momentos, como o alívio cômico do filme  e, em outros, como um vilão em potencial. É ele quem relembra seu parceiro o pacto que fizeram antes do assalto e é seu papel “morder” enquanto Sonny apenas “late” (como é dito pelo próprio protagonista). Seus olhos injetados e seu silêncio, colocados em paralelo com o seu amigo tagarela, fazem de Sal um personagem a se temer.

Para seguir na análise do filme, é importante lançar mão de algumas informações que podem estragar a experiência de quem não o assistiu. Dito isso, este parágrafo contém SPOILERS. Pule para o próximo caso ainda não tenha conferido Um Dia de Cão. Uma das grandes surpresas do roteiro do filme de Lumet é o fato da “esposa” de Sonny ser, na verdade, um homem que deseja mudar de sexo. Interpretado por Chris Sarandon, Leon Shermer é a razão de Sonny roubar o banco. As cenas com Sarandon são ótimas e todo o telefonema entre Sonny e seu namorado foi improvisado pelo duo. Bastante tocante, a cena revela uma dupla de atores totalmente comprometida com o momento. Pacino e Sarandon convencem como um casal e é interessantíssimo notar as expressões de Sonny quando a conversa não anda como ele gostaria. O assalto foi uma grande prova de amor e Leon não enxerga desta forma. Fim dos Spoilers.

Cheio de bons momentos cômicos e com tensão elevando-se a cada minuto, Um Dia de Cão é um dos melhores trabalhos da filmografia de Sidney Lumet. Seja por causa dos atores incrivelmente a vontade com seus papéis, seja por causa das improvisações no set ou pela mão talentosa do diretor, o longa-metragem merece o rótulo de clássico que vem recebendo com o passar do tempo. Indicado a seis Oscar, Melhor Filme, Ator (Al Pacino), Ator Coadjuvante (Chris Sarandon), Diretor, Edição e Roteiro, Um Dia de Cão venceu apenas este último prêmio. Não tivesse sido um ano tão forte, com Um Estranho no Ninho (1975), Nashville (1975), Barry Lyndon (1975) e Amarcord (1973) concorrendo em diversas categorias, teria ficado mais fácil para a Academia fazer justiça ao trabalho de Lumet.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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