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Sinopse

Os jovens Ashleigh e Gatsby planejam uma viagem romântica a Nova York. No entanto, quando chegam no local, os planos mudam: Ashleigh descobre a possibilidade de fazer uma entrevista com o famoso diretor de cinema Roland Pollard, e Gatsby acaba encontrando a irmã de uma antiga namorada. Ao longo do passeio, os dois descobrem novas paixões e oportunidades únicas.

Crítica

É tentador assistir a Um Dia de Chuva em Nova York com olhar virgem, desconhecendo a autoria por trás do filme. Como seria esta obra se fosse feita por um diretor principiante? Se estivéssemos nos deparando com estes recursos de linguagem pela primeira vez? O resultado seria percebido como algo despretensioso, uma divertida comédia de costumes, ou talvez um produto levemente anacrônico? No entanto, Woody Allen não favorece este exercício: desde os primeiros segundos de projeção, estão presentes os letreiros com a grafia típica, o jazz ambiente embalando a crônica, a narração autoparódica em primeira pessoa de um personagem intelectual e deprimido, a mistura do amor pelo outro e do desprezo por si próprio (ou seria o contrário?) aplicada a um relacionamento instável.

A parceria recente com o diretor de fotografia Vittorio Storaro trouxe uma pequena abertura a mudanças, devido ao estilo muito marcado do italiano, que dispensa o realismo para criar grandes halos dourados em torno dos protagonistas, tão chamativos quanto artificiais, em qualquer situação que convier aos criadores. O personagem pode se encontrar numa caverna subterrânea, mas se Storaro o desejar, ele terá uma bela coroa de luz iluminando os cabelos. Deste modo, as narrativas cada vez mais romantizadas de Allen se aproximam do fabular, algo que convém à trama improvável deste último projeto. Na linhagem de Meia-Noite em Paris (2011), o diretor e roteirista concebe um pequeno passeio por uma cidade idealizada, onde as pessoas se cruzam em cada esquina como golpes do acaso, vivendo historietas de amor inconsequentes sob a chuva. Para o filme de 2019, Storaro ao menos fornece curiosos travellings com zooms simultâneos, provocando um efeito mecânico diferente da habitual fluidez das imagens do diretor.

De resto, Allen se mantém fiel às piadas sobre masculinidade frágil, religião judaica, psicanálise, prostituição, republicanos norte-americanos, elite cultural. Já se criticou muito o cineasta por não incluir personagens negros em seus filmes, porém ele ainda escala apenas brancos. Ele foi questionado pela posição de passividade excessiva de suas personagens femininas, no entanto a protagonista de Um Dia de Chuva em Nova York é uma garota deslumbrada, disposta a ir para a cama com o primeiro ídolo que encontrar. Allen está envolvido num imbróglio jurídico pessoal, devido a acusações de abuso sexual, e mesmo assim considera uma boa ideia colocar uma garota com “aparência de 15 anos de idade”, de acordo com os diálogos, sendo cobiçada por três homens maduros que ela desconhece. O cineasta ignora qualquer clamor por mudanças sociais ou artísticas: ele continua idêntico a si mesmo, para a alegria de seus fãs e indignação dos detratores.

Assim, os diálogos preservam a função de principais motores narrativos: os personagens falam muito, seja para os outros, para si mesmos ou para o espectador, em forma de narração em off. As velozes tiradas sarcásticas se adequam a arquétipos de pouca transformação ao longo da trama: o jovem antissocial e intelectual (Timothée Chalamet), a menina ingênua (Elle Fanning), outra jovem maliciosa (Selena Gomez), a prostituta gentil (Kelly Rorhbach), o diretor de cinema em crise (Liev Schreiber), o latin lover (Diego Luna), o roteirista paranoico (Jude Law). Em muitos casos, as conversas fornecem boas cutucadas nos relacionamentos contemporâneos, em outros momentos, parecem se esforçar demais para extrair alguma risada quando a situação se acomodaria muito bem no tom da comédia agridoce. A estrutura funciona como uma sucessão despretensiosa de esquetes, cada uma num cenário diferente e exótico: a canção de Gatsby e Shannon num gigantesco apartamento vazio, a fuga dos amantes no museu Met, a sessão de cinema privada entre Ashleigh e Roland, a escapada com Francisco de um estúdio vazio. Os personagens não param de fugir para onde Nova York os leva, sem controle de seus destinos, e deixando-se levar sem protesto.

O aspecto inconsequente dos conflitos faz com que cada cena seja esquecida ou ignorada com a chegada do conflito seguinte, como se nada realmente importasse – Roland some, a filmagem na rua desaparece, a reserva no restaurante é ignorada, o encontro com o dermatologista se torna secundário. O aspecto levíssimo termina por esculpir mais uma obra de acabamento competente, repleta de atores se divertindo na entrega de tipos caricaturais (as gaguejadas de Timothée Chalamet, a gesticulação excessiva de Elle Fanning). No entanto, para um diretor tão preocupado em manter suas marcas, desde os letreiros de abertura até a música de conclusão, o filme soa previsível, domesticado, fruto de um artista que não se arrisca verdadeiramente há anos, nem no roteiro, nem na condução das imagens e do ritmo.

Para um autor experiente, o pior destino é aquele de fazer obras pouco memoráveis, ou seja, nem ruins o bastante para contarem como tentativas arriscadas de algo falho, nem bem-sucedidas a ponto de marcarem alguma guinada na trajetória. Um Dia de Chuva em Nova York representa “mais um Woody Allen”, parecido com tantos outros recentes que se confundem na cabeça do cinéfilo. Roda Gigante (2017), Café Society (2016), O Homem Irracional (2015), Magia ao Luar (2014) e anteriores apresentam tramas e personagens que aparentam conviver juntos, expressando-se da mesma maneira, dividindo as mesmas imagens, num universo lúdico destinado principalmente a sustentar a marca de seu criador. A “política dos autores”, para Allen, consiste em fornecer uma espécie de reconforto ao espectador que encontrará, ano após ano, exatamente o prometido, sem mais. As obras se sucedem como novos episódios de uma grande série em que o protagonista é o próprio diretor.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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