Um Dia na Vida
Crítica
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Sinopse
Primeiro de outubro de 2009, uma quinta-feira. Eduardo Coutinho passa o dia inteiro gravando o que é exibido na televisão aberta brasileira. Ele muda de canal, descarta filmes exibidos originalmente nos cinemas e faz um resumo de uma hora e meia do que os telespectadores recebem diariamente.
Crítica
Conseguir assistir a Um Dia na Vida é quase um sonho para boa parte dos cinéfilos, em especial os fãs de Eduardo Coutinho. Um desejo que poucos conseguem realizar, já que o filme talvez nunca seja lançado comercialmente. Consistindo em uma série de imagens de alguns canais da TV aberta brasileira, Um Dia na Vida teria grandes dificuldades para obter os direitos de imagem. Mas as pessoas que têm uma chance de conferir o longa acabam tendo o prazer de ver mais uma grande obra de um dos melhores diretores da história do cinema, na qual ele expõe muito do que há de pior na televisão brasileira.
Coutinho gravou 19 horas de material da TV aberta como parte de uma pesquisa para um projeto futuro (nem preciso dizer que o diretor deve ter mudado de ideia com relação ao que fazer com as imagens). De posse desse material, fez um pequeno recorte com a programação dos canais desde a manhã do dia 1º de outubro de 2009 até a madrugada do dia seguinte. Isso pulando de emissora em emissora com naturalidade, sem nenhum tipo de narração em off que pudesse conduzir o pensamento do público, nos deixando tirar as próprias conclusões sobre o que vemos na tela.
Sendo assim, é impressionante como é gritante a falta de noção dos responsáveis pelos canais quanto ao conteúdo que vai ao ar. Logo no início da manhã, por exemplo, acompanhamos um quadro em um programa da Bandeirantes falando sobre tipos sanguíneos, com a convidada dizendo que as pessoas devem comer alimentos que sejam apropriados para seu sangue, porque isso influencia em suas vidas (oh, céus!). Pouco depois disso, Wagner Montes aparece no Balanço Geral dizendo que um homem bater em uma mulher é covardia porque ele só precisa segurá-la (deixá-la em paz, pelo visto, está fora de questão), emendando isso com a notícia de um assalto no qual fala que alguém deveria ter tentado atirar no ladrão, como o próprio Montes afirma que faria (espero que ninguém tenha colocado a vida em risco seguindo esse modo de agir).
Mas não sei por que me surpreendi com momentos como esses, considerando que faz algum tempo que a TV aberta vem demonstrando que seu principal objetivo, aparentemente, é ajudar na alienação das pessoas, ao invés de trazer programas um pouco mais úteis e interessantes. O que dizer da parte em que visitamos a casa de Dr. Ray, quando ele apresenta seus instrumentos de trabalho e mede uma modelo usando um crânio? E quando pensamos que Coutinho já mostrou o pior, ele ainda consegue surpreender. Na faixa das 19h, o diretor inclui um momento do TV Fama no qual Nelson Rubens diz que chegou a hora de descobrirmos com quem Silvio Santos divide a cama, o que é absolutamente constrangedor. Além disso, o espaço dado a programas religiosos que buscam influenciar seus espectadores com preconceitos é lamentável, assim como programas como aquele apresentado por Marcia Goldsmith, que se aproveitam das situações das pessoas para ganhar audiência.
Um Dia na Vida mostra que a TV aberta brasileira chega a ser uma piada de mal gosto, e é incrível que uma boa parcela da população realmente assista as coisas que Coutinho insere ao longo do filme. Enquanto vemos isso, é triste constatar que de 2009 para cá a programação dos canais não mudou quase nada. E, infelizmente, duvido que vá mudar tão cedo.
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