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Sinopse

O melhor amigo de Zazie vai se casar com a sua arquirrival. Ela pretende sabotar a cerimônia, mas algo sai errado ao ponto de criar um loop temporal. Zazie vai precisar reviver o mesmo dia repetidamente.

Crítica

É uma verdade popular o fato de que só se dá o devido valor a algo a partir do momento em que este se perde. Agora, e se o instante no qual esse elo se desfaz pudesse ser revivido diversas vezes, permitindo que o protagonista dessa repetição pudesse aprender com seus erros e, através desse processo, impedir tal separação, isso significaria que aquilo apenas ameaçado de partir, uma vez recuperado, passaria a ser visto pelo prisma de outros olhos? Ou ao mexer com todas essas variáveis também outros elementos passariam a adquirir diferentes pesos, numa mudança de perspectiva capaz de alterar até mesmo a intenção inicial? Indagações como essas encontram-se na base do argumento de Um Dia Para Sempre, comédia romântica alemã que tem sido definida por alguns como o encontro entre Feitiço do Tempo (1993) e O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), ainda que sem a originalidade ou o carisma dos personagens que fizeram destes longas referências no gênero.

Zazie (Alicia von Rittberg, de Corações de Ferro, 2014) é o tipo de garota insatisfeita com a vida por ter nascido em um lar onde os pais nunca estavam de acordo um com o outro. “Enquanto minha irmã se tornou reprimida, eu decidi pintar os cabelos”, declara ao se apresentar ao espectador. Sua rebeldia, porém, vai além de madeixas azuis ou de uma postura sempre pronta para o confronto: está também em sua incapacidade de levar adiante qualquer relação mais duradoura ou significativa. Ou seja, um caso bastante simples que qualquer psicólogo saberia por onde começar o tratamento, mas que sob a direção da também roteirista Maggie Peren (premiada no German Film Awards pelo texto de Napola, 2004) ganha ares inesperados, para não dizer fantásticos. Afinal, se diante de uma situação que foge do seu controle um dos seus amigos possui uma reação física que o deixa inconsciente, com ela o que irá suceder é ainda mais perturbador – ou vantajoso, dependendo apenas do ponto de vista.

Ainda na adolescência, Zazie tinha em Philipp (Tim Oliver Schultz, de A Onda, 2008) não apenas o seu melhor amigo, mas também a única pessoa que acreditava lhe compreender por completo. Após uma noite de amor e sexo entre os dois, ela decidiu se afastar, permitindo que o medo por qualquer tipo de compromisso falasse mais alto do que o sentimento que nutria por ele. Anos depois, quando recebe o convite do casamento dele com Franziska (Emilia Schüle, vista em Treadstone, 2019), acredita ter diante de si a última oportunidade para talvez reparar o que pensa ter sido seu maior erro. Não só quer confrontá-lo no último segundo, questionando-o sobre o quão certo está a respeito do passo que está prestes a dar, como também pensa ser possível recuperar a intimidade que os dois uma vez desfrutaram. No entanto, suas intenções não acabam dando certo, e quando volta para casa pensando ter colocado tudo a perder, é somente na manhã seguinte que percebe o que lhe aconteceu: está presa no dia da cerimônia, e poderá executar seu plano tantas vezes quanto achar necessário, seguindo as mais diferentes resoluções, até se dar por satisfeita – ou abandonar a ideia por completo.

Importante observar que Zazie não mora sozinha. Ela divide o apartamento com dois amigos: Anton (Edin Hasanovic, de Je Suis Karl, 2021), o citado narcoléptico que por ela nutre uma não tão secreta paixão, e Patrick (Samuel Schneider, de Exit Marrakech, 2013), um galanteador que toda noite leva uma conquista diferente para seu quarto. O primeiro, mais tímido e presente, estará ao lado dela toda vez que for requisitado, a ponto de levar o espectador a se indagar como ela pode ser tão cega – ou seja, porque lutar por algo que nem sequer sentia falta até um dia atrás quando tem ao seu alcance uma possibilidade muito mais sólida e satisfatória? Já o segundo será importante não apenas como companhia quando ela mais só se sentir, mas também pelas relações que chegarão até à protagonista por meio dele: da descoberta no meio da noite da paixão de ocasião do amigo até o desfecho que apenas ele tornará viável a sua principal rival quando enfim decide lidar de frente com os apelos do próprio coração.

Não há nada de muito inovador em Um Dia Para Sempre, mas é preciso reconhecer a sinceridade através da qual a sua história é conduzida e o nível de entrega do elenco, que defende cada um dos personagens até o último instante, por mais equivocados ou alheios de suas vontades que eles possam estar na maior parte do tempo. Zazie é quase uma anti-heroína, mas as razões por trás de cada uma das suas ações são compreensíveis, o que permite que suas falhas sejam perdoadas, e até mesmo passíveis de identificação. A realizadora é ciente das limitações da trama que tem pela frente – há somente um desfecho possível, assim como é certo também que o ciclo de repetições não poderá seguir indefinidamente – e sem tentar ir além do necessário, entrega um romance simpático, pontuado por uma ou outra situação de maior graça, sem afrontar a inteligência do público. Pode não parecer muito, mas em um horizonte cada vez mais rarefeito de bons resultados, ser honesto com o que se tem em mãos é, sim, um começo que merece reconhecimento.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
6
Alysson Oliveira
5
MÉDIA
5.5

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