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Crítica


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Sinopse

No subúrbio do Rio de Janeiro, milícias tomam conta das cercanias, impondo um poder paralelo. Este é desafiado pela coragem de uma mãe em busca do filho desaparecido. Nessa jornada, o passado volta como assombração.

Crítica

Um Dia Qualquer, projeto multiplataforma pensado como filme e produto de televisão – a crítica da minissérie, texto da autoria de Bruno Carmelo, você encontra aqui –, se propõe a discutir vários assuntos que fermentam diariamente na cidade do Rio de Janeiro, sobretudo nas suas áreas suburbanas e/ou periféricas. Nesse caldo borbulha a presença ostensiva da milícia como poder paralelo nocivo, o refúgio ambíguo nas religiões neopentecostais, a polícia vergonhosamente assimilada pelos códigos da criminalidade e os traficantes à espera de uma brecha para retomar o poder "perdido". No entanto, o cineasta Pedro von Krüger não estabelece uma linguagem crua, essencialmente naturalista, para tentar radiografar essa realidade repleta de peças intercambiáveis. No sentido contrário, há um artificialismo na encenação, algo também visto na afetação que prevalece nos cenários montados. Em determinada passagem, na qual personagens dialogam no segundo plano, nítido por conta da profundidade de campo, a movimentação à frente soa postiça, pois mal articulada. A iluminação e algumas composições visuais também carregam esse engessamento involuntário.

Somada à ausência de organicidade, resultado das engrenagens encaixadas forçosamente, a consistência insuficiente dos personagens. A concepção de boa parte deles atende a arquétipos, a modelos tão antigos quanto a ideia de civilização. Manda-Chuva do bairro, Quirino (Augusto Madeira) apenas ascendeu ao topo da pirâmide da contravenção local ao assassinar o antigo mentor e amigo. O ímpeto parricida é igualmente percebido no comportamento de Beto (Willean Reis), herdeiro ansioso, não disposto a seguir as orientações do pai quanto a estudar Direito para ser um pilar jurídico do esquema ilícito. O desafio à autoridade paterna, ou à figura substitutiva do pai, é substanciada pelo envolvimento com as respectivas madrastas, no caso que Quirino no plano metafórico e no de Beto literalmente. Porém, Pedro von Krüger não confere densidade a essa dinâmica de repetição que acena à mitologia grega, aos deuses desafiados por herdeiros descontentes que principiam a derrocada ao destino trágico. As coisas se atropelam, vão acontecendo displicentemente.

Ao invés de equivalentes humanos de divindades coléricas e rebentos provocadores, Um Dia Qualquer tem personagens que frequentemente mais verbalizam posições do que as vivenciam. As rebarbas do passado, essenciais, por exemplo, para compreendermos o elo tenso entre Quirino e Penha (Mariana Nunes), são mencionadas em pequenos instantes basicamente expositivos, com as pessoas discutindo em termos de mera retrospectiva. O ódio da viúva do bandido temido – atualmente uma senhora que transita pelos caminhos da religiosidade – pelo miliciano que foi seu amante é vomitado num diálogo como se este fosse uma bula. A inclinação pelo didatismo capaz de esvaziar o filme de veemência é perceptível, em semelhante medida e frequência, quando o realizador sente a necessidade de contextualizar aquele universo feito de peças infelizmente familiares à população carioca. Exatamente por essa vontade de ser cristalino, de não deixar tantas dúvidas pairando no ar, Pedro von Krüger perde oportunidades para substanciar essa calamidade.

O que destoa desse conjunto com pouco tônus expressivo é a atuação do elenco. Especialmente Augusto Madeira sai-se bem como o homem vulgar levado a se tornar líder, imposto pela força bruta. Pena, realmente, que os alinhaves do roteiro sejam tão frouxos, que as situações-chave, tais como a articulação com o comércio local e o plano alternativo de Beto para estabelecer demanda de insegurança (e a partir dela convencer do pai de sua imprescindibilidade ao esquema), sejam desenvolvidas com uma rapidez exagerada. Pedro von Krüger não dá tempo para que as conjunturas se estabeleçam e façam sentido para além das citadas filiações óbvias às lógicas consagradas pelas tragédias clássicas. Experiente profissional do cinema, mas diretor estreante, ele parece indeciso entre fazer um diagnóstico social focado na coletividade ou tratar de prender os personagens na teia de um destino desgraçado. Às vezes sobra intensidade, mas falta coesão. Noutras sobressai a pujança das pessoas condenadas (menos os coadjuvantes, negligenciados), mas sobrepesa uma ausência de firmeza.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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