Crítica
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Sinopse
Crítica
É inevitável traçar um paralelo entre Um Elefante Sentado Quieto e os acontecimentos reais que envolvem a trajetória de seu realizador, o chinês Hu Bo, que, já tendo alcançado notoriedade local com o lançamento de dois romances – sendo um deles a base para a trama em questão –, cometeu suicídio, aos 29 anos, pouco após finalizar esse seu primeiro longa-metragem. A analogia latente surge, pois a narrativa de Bo transparece justamente uma aura fatalista, carregada de angústia, que se abate sobre um quarteto de protagonistas, cujas vidas se entrelaçam pelas vias da tragédia ao longo das quase quatro horas de projeção. A princípio, esse sentimento de desilusão acerca da sociedade e da realidade de seu país, bem como a ambientação dominada por um cinza melancólico e pelas edificações em ruínas – os prédios, a escola, as fábricas, os escombros no parque – evocam a China operária retratada por Jia Zhang-ke.
Porém, ainda que compartilhe dessa noção de inércia, de uma impossibilidade de mudança que gera um peso muitas vezes sufocante, o cinema de Zhang-ke exibe um espírito de comunhão mesmo em meio às adversidades, em que os laços familiares, de amizade e amorosos quase sempre prevalecem. Bo, por sua vez, se mostra mais cético, retratando um mundo essencialmente egoísta, cínico, onde as pessoas buscam a libertação individual demonstrando pouca, ou nenhuma, compaixão. Assim, o cineasta apresenta protagonistas que se sentem cada vez mais solitários dentro de núcleos sociais/familiares rachados: o jovem Wei Bu (Yuchang Peng), que vive em atrito constante com o pai autoritário e se vê em fuga após empurrar o bully do colégio (que agora se encontra em estado de coma) pelas escadas, na tentativa de proteger um amigo.
Em seu encalço está o irmão do garoto empurrado, Yu Cheng (Yu Zhang), temido mafioso que mesmo desprezando o caçula, assim como os próprios pais, atende ao pedido por vingança para manter uma espécie de código de honra. O criminoso ainda é atormentado pela culpa, já que seu caso com a esposa de um amigo levou ao suicídio do mesmo. A outra metade do quarteto principal é composta de Huang Ling (Uvin Wang) – colega de classe e paixão reprimida de Wei Bu, que mantém uma relação conflituosa com a mãe alcoólatra e se envolve romanticamente com o vice-diretor do colégio – e por Wang Jin (Congxi Li), vizinho idoso de Wei Bu, pressionado pelo filho e pela nora a deixar seu apartamento e se mudar para um asilo, encontrando lampejos de conforto somente na companhia de seu cachorro e na afeição da neta.
Essas quatro almas errantes se encontram unidas não apenas geograficamente, mas também pelo sentimento de não pertencimento, parte de um ciclo que se sugere inevitável – da juventude perdida e sem perspectivas à velhice ingrata e cruel. Bo registra o acúmulo de decepções e intempéries que levam essas figuras ao limite – culminando em explosões de violência – através de uma proximidade quase tátil, com a câmera, estática ou em movimento, sempre presa aos rostos e corpos dos atores. Ao assumir essa abordagem, o diretor opta também por ocultar parte da ação, que surge desfocada em segundo plano, e por deixar com que os rompantes violentos (a morte), ocorram apenas no extracampo – o salto da varanda, a queda da escada, o ataque do cachorro, o tiro de misericórdia – deixando claro que seu interesse não está no choque gráfico, mas em como esses momentos impactantes afetam os envolvidos – com os closes captando suas expressões e reações.
Se valendo de vários, e longos, planos-sequência, inseridos de modo bastante natural – nunca atraindo a atenção para si e se transformando em mero malabarismo técnico – Bo demonstra um apurado senso estético, compondo quadros belíssimos, como o jogo de sombras da sequência no túnel com Yu Cheng e a ex-namorada, que remete ao clássico Desencanto (1945), de David Lean. Atingindo a fluidez narrativa desejada, o longa toma seu tempo para dar corpo aos personagens e seus dramas, valorizados pela coesão do elenco, que entrega atuações nuançadas e tocantes, trabalhando sobre o niilismo dos diálogos de Bo. Personagens que, mesmo dentro de um contexto de desesperança total, arriscado a soar excessivo, nunca transmitem artificialidade, sentindo-se reais frente à desumanidade que os cerca, e terminando por confrontar a si próprios, de modo a aceitar a parcela de responsabilidade que lhes cabe por seus destinos trágicos.
É sem dúvidas uma visão sombria, de descrença, a que Um Elefante Sentado Quieto apresenta. De um mundo onde, como diz o vice-diretor a Huang Ling, a agonia é contínua e inevitável, e a possibilidade de mudança não passa de uma ilusão – “Novo lugar, novos sofrimentos”, afirma o personagem – percepção com a qual a atitude drástica tomada por Bo fora das câmeras parece corroborar. Ainda assim, há um vestígio de esperança na jornada concebida pelo diretor, que se encontra no animal mencionado no título – o elefante que permanece sentado, impassível, no zoológico da cidade de Manzhouli, norte da China. É atrás desse McGuffin, dessa representação simbólica que beira a fantasia – a lenda – da possibilidade de ignorar as imposições do acaso e buscar a reversão do estado das coisas, que partem os personagens, tentando se agarrar, num ato derradeiro, a tal imagem. Mesmo que essa não se materialize por completo, ecoando apenas como um som distante pelo silêncio da noite.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Francisco Carbone | 9 |
Chico Fireman | 9 |
Diego Benevides | 10 |
MÉDIA | 9 |
Pensei ser um filme para desacrefitar a sociedade chinesa. Será q foi financiado por yankees?