Crítica
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Sinopse
Omar Buendía trabalha fantasiado de mascote de pelúcia, vendendo produtos de informática na rua. Quando o avô enfrenta problemas de saúde, ele decide ingressar numa grande empresa de tecnologia. No entanto, descobre um mundo de competições e trapaças. Começa uma guerra para se impor dentro da estrutura onde muito querem vê-lo fracassar.
Crítica
Haveria diversas possibilidades de parodiar a rotina de trabalho numa grande empresa. Quando Omar Buendía (Gustavo Engelhaaf) abandona a fantasia de mascote vendendo produtos de informática na rua, rendendo-se ao trabalho numa imensa corporação, ele poderia se confrontar à briga por reconhecimento, à competição entre funcionários, às manipulações dos chefes, aos códigos de conduta etc. As roupas padronizadas, as falsas formalidades, os termos desnecessários em inglês, a promoção de pessoas incompetentes, a cordialidade hipócrita e mesmo o local codificado das grandes empresas (as salas de vidro, os espaços de reunião, os open spaces) poderiam ser facilmente satirizados pelo absurdo das regras transformadas em naturais pelo mundo empresarial. Ou seja, seria fácil captar o aspecto de crônica, tomando distanciamento em relação ao naturalismo e propondo uma releitura cômica da realidade de tantos trabalhadores no interior de sistemas verticalizados. O contexto fornecia amplo material cômico por si próprio.
No entanto, o diretor e co-roteirista Carlos Mott (junto de Omar Albores) decide sabotar o humor inerente às situações, trazendo uma infinidade de quiproquós externos, infiltrados à trama para semear o caos no ambiente percebido como pacífico demais. Surgem então crises de pânico num elevador em pane, pessoas encharcadas por uma fonte no primeiro dia de trabalho, uma luta sangrenta quando os ânimos se exaltam (em estilo totalmente incoerente dentro da produção), competições de karaokê e performance com a empresa adversária, pessoas que guardam pastas de nudes pessoais no computador da empresa etc. Em outras palavras, Mott se apropria de um cenário de fácil identificação para imaginá-lo enquanto fantasia erotizada (todas as mulheres são lindíssimas, impecáveis e sedutoras) e adolescente (vide a linguagem teen dos pensamentos de Omar transformados em realidade virtual, com bolhas coloridas, emojis e outros ornamentos). Um Emprego de Verdade (2020) traz menos uma visão caricatural do mundo do trabalho do que um imaginário pré-adolescente sobre a vida adulta.
De fato, o roteiro parece escrito por pessoas sem qualquer intimidade com o universo retratado. Na comédia, os computadores dos chefes não possuem senhas e possuem documentos sigilosos disponíveis na área de trabalho; um computador ligado pela primeira vez traz uma vídeo-explicação do histórico da empresa (numa maneira preguiçosa de apresentar o local ao espectador); um novato recebe a responsabilidade de criar um aplicativo sozinho, sem participar de reuniões, sem uma equipe nem objetivos precisos; acordos importantíssimos são fechados sem discussão sobre custos nem lucros; contratos são assinados sem conhecer os termos; contratações são feitas sem discutir salários. Mott retira toda a parte política e econômica de uma empresa para se concentrar numa visão estreita das regras sociais. Surgem então o patrão assediador, a patroa megera (os homens, quando têm poder, se tornam sedutores, enquanto as mulheres viram histéricas), a secretária linda e de óculos, a briga por poder se transformando numa máfia sangrenta... O cenário principal desta comédia não soa apenas irreal: ele é também ridicularizado, infantilizado. Em certo aspecto, lembra as crianças brincando de adultos, quando os meninos e meninas seguram alguma pasta para interpretarem chefes, digitando num teclado imaginário e coordenando reuniões invisíveis.
Infelizmente, os aspectos questionáveis não param por aí. Um Emprego de Verdade decide transformar seu protagonista mexicano “perdedor” no herói tradicional do cinema norte-americano, do tipo que luta sozinho contra todos, salva a mocinha de perigos de morte, demonstra simpatia pelo irmãozinho doente dela, e denuncia dois grandes vilões e salva o dia, sendo recompensado no final com dinheiro, reconhecimento e uma mulher que o ame. Completando a visão irreal do emprego, combina-se uma visão irreal do sucesso. Embora constitua oficialmente uma comédia, talvez o projeto se sairia melhor caso assumisse o caráter fantástico, introduzindo de fato elementos mágicos e/ou surreais. Afinal, a facilidade com que segredos vêm à tona e injustiças são corrigidas no terço final nos aproxima da fábula (infantil, mais uma vez) sobre as pessoas que buscam permanecer puras no meio empresarial. Mott ainda acena a uma possível crítica do desprezo pelos funcionários através da cena do motim. Entretanto, o momento é introduzido de modo tão abrupto que se assemelha a um pensamento posterior, uma ideia acrescentada de última hora para dar algum estofo ao filme tão leve.
O mundo das comédias populares, do tipo que se esforça demais para extrair a risada a qualquer preço, tem oferecido exemplares tão fracos às salas de cinema que talvez coubesse à crítica apontar pequenos méritos neste caso, ou seja, as armadilhas das quais ele consegue fugir. Não há humoristas histriônicos neste filme como em tantos equivalentes brasileiros; não há piadas escatológicas, nem objetos voando em direção a testículos. No entanto, a estratégia de avaliar um filme pelos erros que ele não comete soa equivocada por princípio. Avaliando o projeto enquanto tal, ele se resume a um universo colorido e veloz, com uma câmera deslizando sem parar quando não haveria motivos para tal (o protagonista cochilando sobre a mesa do escritório, por exemplo), marcado por trilhas genéricas na transição entre cenas, close-ups no rosto dos vilões para torná-los mais perversos e na cara da mocinha para sublinhar sua fragilidade. Trata-se de um universo de facilidades e artificialidades: o avô sobe escadas e planeja viagens um dia após enfartar, o comércio de rua se fecha sem qualquer consequência, o sexo filmado diante das câmeras não implica em qualquer punição. O mundo empresarial, para Mott, se converte no tapume pintado de um fundo teatral, para preencher a imagem e decorar as cenas. Apesar da premissa rica em questões políticas, de gênero, de hierarquias, de classes sociais e étnicas, o resultado soa vazio. Esta é mais uma comédia que só concebe o humor pelo esvaziamento do real.
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